Читать книгу Portugal e Brazil: emigração e colonisação - D. A. Gomes Pércheiro - Страница 18

V

Оглавление

Índice de conteúdo

Temos que continuar a nossa critica severa, mas digna, a um trabalho sobre emigração, publicado ha pouco sob os auspicios do governo do Brazil e escripto por um litterato brazileiro, e para que não vão accusar-nos de systhematico na propaganda contra a emigração e a tudo que é brazileiro, entendemos dever começar pelos de casa.

O livro a que nos queremos referir teve primeiro o seguinte titulo—Estudo sobre a colonisação e emigração para o Brazil—e o actual apparece com o de—Brazil—simplesmente. Não se lhe mudou apenas a capa; fez-se mais: antepôz-se ao texto—que é o mesmo—os elogios da imprensa portugueza, para que no imperio fosse mais facil a extracção do livro!

Este systema de recommendações tem grande valor no Brazil; e o author do Estudo vio-lhe o alcance, o que não quer dizer que os nossos recommendadores o vissem tambem: até cremos que usaram de boa fé; mas não póde isso obstar a nossa critica.

O tal livro advoga a emigração dos portuguezes para o Brazil, e além d'isso offende os nossos brios, o que demonstraremos nos seguintes capitulos.

O auctor das Farpas, tendo estudado profundamente o assumpto em dezembro de 1872, e tendo dado provas de que o estudára, mimoseando o publico com 37 brilhantissimas paginas no referido folheto, em que bem se revella o combatente convicto contra a emigração, recommenda pouco depois ao publico, o seu antagonista, no seguinte documento:

«.....O sr. Augusto de Carvalho é auctor de um livro importante ácerca da emigração e da colonisação do Brazil, assumpto utilissimo para os interesses portuguezes, do qual não póde deixar de occupar-se a imprensa que respeita a sua missão. Creio bem que v. estimará egualmente cultivar as relações d'este espirito conciliador»[17] etc. etc.

Este espirito conciliador respondendo á asserção da commissão de emigração de que «em Portugal não ha miseria nem falta de trabalho que a incite», diz o seguinte:

«Permitta-nos a illustrada commissão que lhe façamos sentir que os factos prottestam contra similhante conclusão. Na ultima leva de degredados (portuguezes) em numero de 92, d'estes foram 52 condemnados por furtos, roubos e falsificações. E ainda no mez de novembro ultimo (1873), de 40 que deram entrada no Limoeiro para seguirem o mesmo destino, 31 foram-n'o por crimes da mesma natureza.»

Este desenlace conciliatorio do tal recommendado ás conclusões da commissão alludida, mostram mais alguma cousa do que a conciliação, mostram a falta de bom senso; porque nos paizes onde a riqueza anda a pontapés—para os que trabalham—tambem ha condemnados pelos crimes de furto, roubos e falsificação, porque os ratoneiros, ladrões e falsarios de todas as nações preferem tudo ao trabalho honrado. E havemos de provar esta asserção com respeito ao proprio Brazil—a nova terra da promissão.

Mas não antecipemos a critica ao livro recommendado.

Querendo naturalmente defender os assassinos dos nossos compatriotas residentes na sua patria, diz o auctor do Estudo, em tom conciliatorio, já se sabe:

«Acaso, por se haver morto com um tiro em certo logar do Minho, um infeliz que subtrahia um cacho de uvas, segue-se que todo o povo d'aquella provincia seja deshumano?»

Será isto em desforço dos assassinatos de Jurupary e tantos outros?!

O auctor das Farpas que responda.

Defendendo os magistrados que prevaricam no imperio, commemora a seguinte futilidade, que não tem nada de conciliatoria:

«Acaso, por haver sido, no Fundão, condemnado um pobre Antonio Gomes, a um mez de prisão, multa correspondente e despezas do processo, pelo crime de sorrir-se e piscar os olhos para o delegado Duarte de Vasconcellos, segue-se que a justiça é nulla em Portugal?»

Estes crimes sociaes commettidos no nosso paiz não podem equiparar-se com os crimes sociaes commettidos no Brazil pelos naturaes contra a colonia portugueza. E não póde porque... «A roça no imperio do Brazil, segundo diz o author das Farpas, é como em Portugal o banco. É ella que faz a lei, a justiça e o direito. Com uma pequena differença nos resultados d'esta influencia do capital e da propriedade no Brazil e em Portugal: é que em Portugal é contrastada pelas beneficas rezistencias de alguns milhares de cidadãos que mantem a liberdade por meio da independencia facultada pelo trabalho; no Brazil não, porque no Brazil quem trabalha é o escravo, e a quantidade chamada povo não existe.»[18]

O Brazil, aos olhos do tal recommendado, é o paraiso terreal, a terra promettida, onde podem reunir-se os individuos de todas as nacionalidades, que alli queiram ter patria commum; e aos olhos do auctor das Farpas, no Brazil tudo é hostil ao emigrado; no Brazil não respeitam a fé dos contractos com os miseraveis trabalhadores portuguezes; e accrescenta:

«O colono portuguez no Brazil nem tem os direitos dos nacionaes, nem os previlegios dos estrangeiros. Em uma nota do barão de Cotégipe, ministro brazileiro, a mr. George Bukley, ministro inglez, ácerca da deserção de marinheiros estrangeiros para a marinha brazileira, encontra-se consignada nos seguintes termos a condição dos individuos que compõem a tripulação dos navios do estado—escravos, portuguezes, nacionaes e estrangeiros.»

Como teremos occasião de mostrar, o auctor do Estudo recommenda a conveniencia da colonisação portugueza; e o auctor das Farpas criticando habilmente o assumpto escreve estas terriveis verdades:

«A primeira tentativa de colonisação com trabalhadores livres, data de 1819, dois annos antes da independencia. Mil e setecentos aldeãos suissos do cantão de Fribourg estabelecem-se no Val de Parahiba do sul e fundam a Nova Friburgo no extremo limite meridional da zona torrida, perto de uma grande cidade. Dez annos depois a colonia suissa estava em dois terços do que primitivamente fôra. Actualmente a Nova Friburgo é uma cidade inteiramente brazileira, onde raras familias friburguezas se encontram ainda.

«Em 1845, uma nova tentativa feita sob os auspicios do governo brazileiro, levou alguns milhares de trabalhadores de Baden e de bavaros do Palatinado ao Rio de Janeiro. Estabeleceram-se em Petropolis, perto do palacio imperial. Em 1859—quatorze annos depois—de tres mil e dezeseis colonos que ainda habitavam Petropolis, rarissimos tinham passado de simples cavadores de enxada. Esta colonia tem-se concentrado cada vez mais em torno da residencia imperial, e vive quasi exclusivamente da actividade que o soberano e a côrte espalham necessariamente em torno de si.

«O celebre naturalista suisso Tschudi, mandado pelo seu governo ao Brazil, como plenipotenciario, a fim de estudar a historia dos emigrados, fez uma viagem de muitos mezes atravez de differentes feitorias, e em um relatorio de 9 de outubro de 1860, no qual consignou as suas impressões e as suas idéas, deixou um monumento historico pavoroso e indiscutivel contra a colonisação do Brazil.

«A suissa prohibiu a emigração dos seus filhos para aquelle ponto do globo.

«Avé-Lallemant, encarregado officialmente de visitar as colonias allemãs no imperio brazileiro, dá pormenores aterradores da sorte dos obreiros que encontrou nos estabelecimentos do Mucury, na provincia de Porto Seguro.

«Dolorosamente penetrado da desgraça que presenceou, Avé-Lallemant, dirigiu-se pessoalmente ao imperador, expoz-lhe as condicções em que estavam vivendo os seus compatriotas no Mucury, e conseguiu de sua magestade que um navio fosse mandado áquella colonia, afim de trazer para os hospitaes do Rio de Janeiro os infelizes, os doentes e os desesperados. Desesperados, palavra que sobre a colonisação do Brazil se empregou então officialmente pela vez primeira e talvez unica no mundo!

«A primeira leva dos emigrados recolhidos do Mucury ao Rio de Janeiro a bordo do alludido vapor do estado, foi composta sómente dos enfermos, e constou de oitenta e sete individuos.

«A praça do Rio de Janeiro deve de recordar-se ainda do dia memoravel na historia da emigração em que se viu chegar esse tragico e funebre comboio.

«Os possantes e valerosos mancebos allemães; que o Rio vira passar poucos mezes antes corajosos, esperançados e alegres para os trabalhos do Mucury, eram desembarcados em macas nos caes ruidosos da capital de um dos mais ricos paizes do mundo.

«Vinham devorados pelas febres paludosas exhaladas de um rio podre, cobertos de lepra e de vermine, immundos de chagas e escalavrados de contusões.

«Um tinha morrido no trajecto, a bordo. Outro expirou justamente no momento em que o collocavam em terra.

«Poucos dias depois chegava do Mucury uma segunda leva de emigrados, com cerca de outros tantos enfermos e outros dois cadaveres.

«A opinião no Rio de Janeiro tinha-se mostrado tão profundamente commovida com este espectaculo de uma barbaridade suprema e de uma miseria unica, os poderes publicos estavam tão evidentemente instruidos do que era a colonia do Mucury, que Avé-Lallemant, tendo depositado nas mãos do governo o relatorio que fizera, entendeu que podia deixar o Rio de Janeiro e proseguir para o norte a viagem de exploração de que se incumbira, sem receio de que jámais se podessem repetir as calamidades que presenceara.

«Apenas o viajante allemão deixou o Rio de Janeiro o director da colonia do Mucury publicou uma nota justificativa do seu procedimento. Um delegado imperial enviado ao Mucury para liquidar a verdade, expirou ao regressar ao Rio. De sorte que tudo ficou no estado em que se achava antes do relatorio de Lallemant. Com uma unica differença. Immediatamente depois do que acabava de se passar, o senado brazileiro votava á companhia do Mucury um credito de cerca de 500 contos com a garantia de um juro de 7 por cento! Era o applauso do governo e a gratidão nacional sanccionando um dos maiores vexames que teem sido impostos á civilisação e á humanidade.

«Ha mais ainda: Os eleitores de Minas Geraes propozeram por duas vezes o nome do director da colonia do Mucury no primeiro logar da lista senatorial.

«Dois unicos homens, honrados e benemeritos, protestaram nobremente contra este oprobrio da justiça—o imperador, que riscou da lista dos senadores o nome do eleito por Minas Geraes como inapto para representar os interesses de um povo, e o sr. Silva Ferraz, ministro da fazenda, o qual aboliu o credito votado á colonia que tal cidadão dirigia.[19]»

Isto é a verdade.

A carta antithesis ao que fica transcripto, devia ser classificada de—diplomacia do senso real das cousas, pelo meu amigo Fernão Vaz!

Portugal e Brazil: emigração e colonisação

Подняться наверх