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2 A necessidade de ter em consideração o carácter pluricêntrico de uma língua a partir do exemplo do PB

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No caso da norma do Português do Brasil é de salientar a discrepância entre a norma-padrão, como norma prescritiva, que se aproxima bastante da norma do PE e as normas cultas faladas, como elementos que constituem a norma descritiva do PB, e o distanciamento diastrático entre as normas cultas faladas e as normas populares faladas, norma orientadora das classes sociais iletradas ou com um baixo nível de formação. No nível fonético-fonológico é de destacar a palatalização das consoantes oclusiva /t/ e /d/, quando seguidas da vogal [i] ou da semivogal [j], por exemplo, em tia e dente [dẽt͡ʃi], destacando-se na segunda palavra a elevação do <e> na sílaba átona no final da palavra, ao contrário do português europeu, onde teríamos uma centralização e uma elevação da vogal [ɨ] na mesma posição (Mattos e Silva 2013, 150). A fricativa coronal /s/ é apenas realizada como palatal em posição final de palavra e antes de consoante, como no PE [ʃ] na norma culta do rio de Janeiro (Mattos e Silva 2013, 150). Para finalizar, importa ainda destacar ao nível consonântico o enfraquecimento de <l> em posição final de sílaba realizado como [w] e de <r> (cf. amar pronunciada am[a], podendo, contudo, também ser realizada como fricativa glotal (ama[h]), como fricativa velar (ama[x]) ou como coronal simples (ama[ɾ]), conforme as regiões (cf. Mattos e Silva 2013, 150). Registam-se ainda diferenças a nível vocálico, na sílaba pretónica entre o PB e o PE:

Sílaba pretónica
PB PE
p[o]rtal p[u]rtal
l[e]vada l[ɨ]vada
c[a]rtada c[ɐ]rtada
l[o]bão l[u]bão
p[e]reira p[ɨ]reira
Sílaba átona em final de palavra
PB PE
lev[i] lev[ɨ], [lɛv]

Quadro 1 – Diferenças quanto ao timbre de vogais entre o PB e o PE (adaptado de Mattos e Silva 2013, 149).

É ainda de salientar a oposição entre as vogais tónicas médias seguidas de consoante nasal na posição de inicial da sílaba seguinte, realizadas como abertas no PE e como vogais fechadas no PB (ex. – homónimo e grémio).

As diferenças mais comummente realçadas pela investigação para distinguir entre a norma-padrão escrita e as normas faladas cultas no nível morfossintático são:

Norma (padrão) PB PB norma falada culta
Deu-me dinheiro para comprar roupa. Me deu dinheiro para comprar roupa.
Vi-o na rua. Vou comprá-los Vi ele na rua. Vou comprar Ø. / Vou comprar eles.
Deixa-me dizer o que penso disso. Vi-o sair da sala. Deixa eu dizer o que penso disso. Vi ele sair da sala.
Fui ao festival. Cheguei à estação atrasado. Fui no festival. Cheguei na estação atrasado.
Esse é um livro de que eu gosto muito. Essa é a vizinha em cuja casa jantei ontem. Esse é um livro Ø que eu gosto muito. Essa é a vizinha Ø que eu jantei na casa ontem.

Quadro 2 – Caraterísticas da norma falada culta brasileira em comparação com a norma-padrão vigente no discurso escrito (Arden 2010, 7).

1 A próclise encontra-se de tal modo generalizada no PB que me, te e se podem ocorrer em posição inicial dentro da oração e construções mesoclíticas do PE são transformadas em construções proclíticas (ex. – dar-me-ei > me darei) (cf. Mattos e Silva 2013, 153).

2 A norma prescritiva exige pronomes de objeto direto anafóricos na forma clítica, enquanto que as variedades faladas preferem o objeto nulo ou as formas plenas dos pronomes pessoais para expressar o COD.

3 Se os verbos mandar, fazer, deixar, ver, ouvir e sentir forem seguidos de uma forma verbal no infinitivo, a norma exige a colocação de um pronome pessoal clítico CDD, que é objeto do verbo e simultaneamente sujeito da forma verbal no infinitivo. A variedade culta falada dá preferência à forma plena dos pronomes pessoais.

4 Complementos circunstanciais de lugar com função diretiva introduzidos pelos verbos de movimento ir e chegar são regidos pela preposição a segundo a norma, mas na norma culta falada são precedidos de em.

5 Enquanto que a norma-padrão exige a colocação da preposição antecedendo o pronome relativo, as variedades cultas faladas caraterizam-se pela omissão da preposição, sendo a relação sintática marcada morfologicamente pelo pronome relativo exclusivamente.

Uma diferenciação entre o discurso de distância falado (variedade culta) e escrito (norma-padrão prescritiva) é fundamental para uma aprendizagem adequada do PB. Uma apresentação indiferenciada de caraterísticas sem uma explicação adequada, contextualizando, impossibilitam ao estudante de Português como L2 de consolidar os seus conhecimentos linguísticos de forma a poder selecionar as formas adequadas em contextos e situações comunicativos distintos.

Além disso, importa ainda distinguir as formas correspondentes às variedades cultas e às normas populares diastraticamente marcadas, não podendo elementos caraterizadores destas últimas variedades ser definidos como caraterísticas do PB, sem alertar para a marcação diassistemática da qual o falante nativo tem noção. Exemplos morfossintáticos frequentemente apontados na literatura são:

Português do Brasil falado (variedade culta) Português do Brasil falado (variedade popular)
eu trabalho eu trabalho
você trabalha tu/você trabalha
ele/ela ele, ela
a gente/ (nós) a gente/ nós
(trabalhamos)
vocês trabalham vocês
eles/elas eles/elas (trabalham)

Quadro 3 – A oposição entre um paradigma verbal tri- ou quadripartido caraterístico das normas cultas faladas e um paradigma reduzido distinguindo apenas duas ou três formas caraterístico das normas populares (adaptado de: Arden 2010, 9).

Português do Brasil falado (variedade culta) Português do Brasil falado (variedade popular)
umas casinhas umas casinhaØ
eles todos eles todoØ
as portas abertas as portaØ abertaØ

Quadro 4 – Marcação do plural apenas no primeiro elemento do sintagma nominal, caraterística típica das normas populares (adaptado de: Arden 2010, 9).

A apresentação indiferenciada de elementos caraterísticos da norma-padrão escrita e elementos linguísticos caraterísticos da norma culta falada têm gerado bastante confusão nas gramáticas (cf. Marcuschi 2000; 2003), sendo estritamente necessário distinguir entre a língua falada e a língua escrita e a proximidade e a distância comunicativa, segundo Koch / Oesterreicher (1985; 2007; 22011). O cânon da norma-padrão no BP cinge-se a tradições discursivas do âmbito medial escrito e do domínio da concetualidade escrita, isto é, textos correspondentes a um máximo de distância comunicativa, como os textos jurídicos. Ao mesmo tempo, as peculiaridades sintáticas e morfossintáticas da variedade culta falada diafasicamente neutral, começam a penetrar cada vez mais nas tradições discursivas do domínio da distância comunicativa. Deste modo, registam-se processos de mudança linguística que afetam caraterísticas, estruturas e estratégias discursivas ao nível concecional sob influência dos hábitos e das convenções da norma culta falada (cf. Arden 2010, 9sq.). Esta tendência revela que os falantes cultos do BP se distanciam cada vez mais da norma-padrão prescritiva vigente para a língua escrita, que prevalece bastante impermeável a inovações e mudanças.

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