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3 A questão controversa se existem normas-padrão endógenas do Português em Angola e em Moçambique
ОглавлениеA questão se o Português em Angola e em Moçambique se continuam a guiar pelas diretrizes prescritivas do PE ou se estão a desenvolver as suas próprias normas-padrão é uma questão que continua a ser discutida de forma controversa. Assim, por um lado os falantes de variedades dominantes, neste caso o PE por motivos históricos e o PB por motivos económico-financeiros e pela quantidade de falantes de Português como L1 no Brasil, tendem a contemplar outras variedades nacionais como “desvios” ou “particularidades”, sem lhes reconhecer igual estatuto e os falantes destas variedades não-dominantes, revelam tendência a fugir para as normas dominantes, dado que mais facilmente se adaptam a estas e aos seus ideais normativos (cf. Pöll 2000, 53). Por outro lado, normas dominantes estão bastante mais codificadas do que as menos dominantes, cujos falantes continua(ra)m a orientar-se por obras codificadoras prescritivas (gramáticas, dicionários, etc.) vindas do exterior durante bastante mais tempo (cf. Pöll 2000, 53). Esta situação regista-se em Angola e Moçambique. Todavia, na sequência da crise económica na Europa e da crise do Euro, a dinâmica da hegemonia linguística tem vindo a sofrer uma corrosão profunda nos últimos anos, dado o crescimento económico das ditas nações africanas e tal repercute-se na autoconfiança enquanto nação e fomenta a valorização da identidade nacional, à qual se encontra estreitamente associada o desenvolvimento de uma norma-padrão endógena.
Deste modo, seria prematuro comparar o Português em Angola (PA) ou o Português em Moçambique (PM) com o PB, mas em ambos os casos podemos identificar uma tendência nítida para a formação de uma norma própria e a génese de um sistema linguístico próprio. Importa não esquecer que ambos os países africanos apenas alcançaram a independência em 1975, mais de um século mais tarde do que o Brasil, pelo que não é de espantar que o processo de consolidação de normas-padrão nas respetivas regiões ainda se encontre numa fase bastante mais prematura do que no Brasil, onde nos deparamos com um sistema consolidado, que apenas ainda carece de uma gramática normativa, embora primeiros passos tenham sido dados com a gramática de Ataliba de Castilho (2010). Em Angola e em Moçambique ainda assistimos a um processo de nativização do Português acelerado pela Guerra Civil em Angola (1975-2002) e favorecido pela multietnicidade das respetivas nações, com falantes de diversas línguas bantas, que optam pelo português como símbolo de unidade e como língua franca (cf. Hagemeijer 2016, 47). Deste modo, o Português encontra-se numa fase em que os falantes nativos têm consciência das particularidades do uso do Português no seu país. Em Moçambique, uma parte significativa dos falantes nativos está convencida que apenas os outros utilizam as particularidades do PM e que eles próprios falam português segundo a norma europeia, faltando-lhes, todavia, em muitos casos, o devido e profundo conhecimento da mesma e, por conseguinte, o PE deixou de servir de referência. No caso Angolano, o processo de consolidação de uma norma emergente encontra-se um pouco mais avançado, favorecido por um elevado número de falantes do Português como L1 nas gerações <30. A Guerra Civil Angolana levou aproximadamente um terço da população a migrar para Luanda e os seus subúrbios. Oriundos de partes distintas do país, de origens étnicas distintas e falantes de línguas diferentes, adotaram o Português como língua franca e os seus filhos nasceram numa sociedade de língua portuguesa e receberam esta como L1. Favorecido por este processo acelerado de nativização, o português em Angola apresenta particularidades que divergem do PE, nos diversos níveis linguísticos até mesmo quando utilizado em contextos formais de distância comunicativa.
Importa todavia salientar que nas aulas de Português para Estrangeiros ainda parece precoce adotar uma das respetivas normas, dado que faltam os materiais didáticos e os instrumentos normativos (gramáticas, prontuários ortográficos e dicionários), pelo que as normas devem ser tema e algumas particularidades centrais ser abordadas, mas apenas num nível muito avançado da aprendizagem, para evitar confundir os alunos. Ainda assim, é pertinente uma crescente integração de África nos currículos universitários (também nos campos dos estudos culturais, da literatura e da linguística).
Assim, para o Português Angolano poderiam ser destacadas as seguintes caraterísticas linguísticas mais salientes (cf. Meisnitzer 2013):
1 Nível lexical: Empréstimos das línguas bantas (ex. do quimbundo kubaza ‘fugir’ > bazar ‘fugir’ ou ka-dienge ‘gato’ > cariengue ‘trabalhador ilegal ou clandestino’ e que, pelos mecanismos de derivação próprios do português, originou carienguista ‘pessoa que trabalha clandestinamente’); formação de verbos a partir de uma base nominal do PE (churrascar, Gonçalves 2013, 165) e estabilização de algumas unidades lexicais como parte do repertório lexical da comunidade angolana (ter ‘haver’: aqui tem muitas, muitas senhoras que vendem e assistir ‘ver’: [...] confessou já ter assistido vários documentários sobre Angola” (Gonçalves 2013, 166)). De salientar, ainda alterações semânticas de palavras existentes no PE (ex. – [...] aquela família que era possessa da pulseira (‘possuidora’) (Gonçalves 2013, 166));
2 Tendência para a utilização preferencial da próclise (cf. Inverno 2009, 101sq.) e para a supressão de preposições, que em PE regem complementos verbais ([...] estão sempre a conversar Ø a mesma coisa. (Gonçalves 2013, 167) (PE – ([...] estão sempre a conversar sobre a mesma coisa.);
3 Transitivização de verbos que no PE exigem um argumento preposicional: ex. “[…] todas as pequenas gostavam Ø lhe gozar […]” (in: Vieira, Luanda, p. 21 apud Endruschat 1997, 407);
4 Utilização do pronome clítico lhe em contextos, que no PE exigiriam as formas clíticas o e a ([...] a minha mãe diz que lhe vão buscar e que lhe vão levar todos os dias. (Gonçalves 2013, 175));
5 Generalização da preposição em, que ocorre especialmente com estruturas de argumento dativo (Ainda temos que pagar nos professores; Cabral 2005, 132) e com verbos de movimento (ir, chegar, vir, voltar) (Vamos em casa. Chavagne 2005, 225) (para ambos os casos confirmar: Hagemeijer 2016, 53sq.);
6 Ausência da marcação da congruência numeral dentro do sintagma nominal, ex. “eu trabalhava lá com os filipinoØ [...]” (Gonçalves 2013, 176), sob influência do contato com as línguas bantas provavelmente e que se regista quer nos discursos formais, quer nos informais, tanto na linguagem falada, como também cada vez mais na linguagem escrita, ainda que aqui seja considerado erro, pelo discurso normativo vigente; fenómeno que também se verifica no PM;
7 Neutralização das formas de tratamento da 2ª e 3ª pessoa, que também se verifica no PM ([...] aí você cultiva vai nas tuas lavra. (PE – suas); Gonçalves 2013, 177).
As divergências fonético-fonológicas, ainda que de interesse num curso de Português para Estrangeiros, poderão ser desprezadas, uma vez que os alunos, até mesmo os melhores já têm bastante dificuldade em muitos casos e seguir estritamente apenas as regras do PE ou do PB.
No caso do PM, aspetos linguísticos que poderiam ser abordados para dar a conhecer as particularidades desta variedade são (cf. Meisnitzer 2013):
1 No domínio lexical: Neologismos por meio de derivação, seguindo o padrão derivacional do português (ex. – depressar ‘ir depressa’; inesquecer ‘ato de ser impossível de esquecer’ ou bichar ‘fazer bicha’), alargamento semântico de palavras (ex. – chapa ‘meio de transporte’), empréstimos do banto (ex. – magumba ‘peixe com muitas espinhas’) e alteração das solidariedades lexicais (comer dinheiro ‘gastar dinheiro’ e acabar um mês ‘ficar um mês’ ou ‘demorar um mês’) (cf. Tamele 2011, 404);
2 No domínio morfossintático: Transitivização de verbos que regem argumentos preposicionados, com função sintática de oblíquo (ex. – muitas pessoas protestaram Ø a iniciativa), com a possibilidade de passivização do respetivo argumento, passando este a desempenhar a função de agente da passiva (ex. – a iniciativa foi protestada), e com a função de complemento indireto (ex. – dar alguém Ø alguma coisa) (Gonçalves 2005, 191; Tamele 2011, 404). Além disso, é de destacar a utilização do pronome clítico lhe com função de objeto direto (ex. – Não lhe vi desde ontem; Couto 42002, 59) e a utilização do infinitivo flexionado, em contextos que em PE exigem o infinitivo impessoal (ex. – propomos falarmos com ele; Gonçalves 2005, 192). Para finalizar importa ainda realçar a generalização da utilização da preposição a para introduzir complementos com o traço [+HUM] (ex. – A filha do imperador amou ao Manuel.; Gonçalves 1996, 315) e a tendência para complementos oracionais completivos serem regidos pelas preposições de e para, que no PE não requerem preposição (ex. – “Vimos por este meio avisar a todas as entidades para não transacionarem o cheque 3571090.” ou “A pessoa nem imagina de que está numa ilha.”; Gonçalves 1996, 319).
3 No domínio sintático: Preferência pela ênclise até mesmo na presença de atratores de próclise (Hagemeijer 2016, 61) (ex. – [...] daí que relaciono-me bem com eles (Mapasse 2005, 70). No campo das estratégias de relativização verifica-se uma preferência pelas estruturas com pronome de retoma (ex. – foi um amigo que conheci-o logo que cheguei) e pela estratégia cortadora (ex. – é uma profissão Ø que se fala de beleza) (Gonçalves 2013, 173).
A abordagem destas variedades e das suas particularidades não deve monopolizar as aulas, dado o caráter recente dos fenómenos descritos, em muitos casos ainda sujeitos a uma normativização, mediante a integração em obras de caráter prescritivo, todavia, o seu desprezo impede o aluno de conhecer o caráter polifacetado da Língua Portuguesa e é, atualmente, desfasado, atendendo a um crescente fluxo migratório por motivos profissionais para Angola e Moçambique.