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CARTA
ОглавлениеMaria! vêr-te á porta a fazer meia,
Olhando para mim de vez em quando,
É o que n’esta vida me recreia.
Acordo até de noite suspirando
Por que rompa a manhã e tenha o gosto
De te vêr já tão cedo trabalhando.
Desde pela manhã até sol-posto
Que não tens de descanço um só momento;
Por isso tens tão bella côr de rosto.
E eu pallido, Maria! O pensamento
Não é trabalho que nos dê saude,
Esta imaginação é um tormento.
Que bello tempo aquelle em quanto pude
Levar, como tu levas, todo o dia
N’essa vida chamada ingrata e rude!
Nunca soube o que foi melancolia,
Nunca provei as lagrimas salgadas
Com que a nossa alma as penas allivia;
Andava sim por essas cumiadas
Ao sol, á chuva, muita vez, sósinho,
Vendo os valles, das rochas escarpadas;
Descendo pelo córrego estreitinho,
De pontal em pontal, cortando o matto,
Pelas chapadas, fóra de caminho;
Mas não era que já o teu retrato
Me andasse a mim no coração impresso,
Onde hoje o trago no maior recato,
E um desengano teu que não mereço
Me tivesse tirado a fé tão dôce
D’alcançar algum dia o que appeteço.
Não foi, não, a paixão que assim me trouxe
Tão erradio a mim, digo a verdade
E nem eu te negava se assim fosse.
É que a gente na sua mocidade
Não cabe em si, não pára de contente,
E assim fui eu na flôr da minha idade.
Tu eras n’esse tempo simplesmente
A flôr que vai nascendo e mais valia
Seres tão tenra ainda e innocente.