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Oito

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– Milady? – Gabriella bateu discretamente à porta do quarto, à procura de Josephine, que subira para trocar de roupa, depois da refeição do meio-dia. – Encontra-se no salão um mercador de roupas, que gostaria de lhe falar. A esposa dele é chapeleira.

– A sério? – perguntou Josephine, jovialmente, abrindo a porta. – Descerei num minuto. Oh, espera... – ela voltou para dentro do quarto e reapareceu em seguida com uma pilha de roupas nos braços. – Há alguém no povoado que aproveite estas roupas?

– De certeza, milady – respondeu Gabriella, reparando num traje preto que duvidava que algum dia tivesse pertencido a Josephine.

– Óptimo. Então, leva – ela entregou as roupas a Gabriella. – Podes ir para o povoado, agora, se quiseres. Acho que vou ficar ocupada durante algum tempo com os mercadores.

Dizendo isto, Josephine passou por Gabriella e desceu as escadas. Gabriella seguiu-a e viu-a cumprimentar o efusivo mercador e a sua menos bajuladora esposa, que tinham chegado com trouxas e cestas de mercadorias para vender.

Robert Chalfront entrou no salão e inclinou ligeiramente a cabeça para Gabriella, antes de concentrar a atenção em Josephine. Não que fosse algo de se estranhar; todos os homens olhavam para Josephine, mas alguma coisa na expressão de Chalfront fez com que Gabriella hesitasse, por um momento, ao pé da escada. Era algo subtil, porém inegável. Seria possível?... Ter-se-ia ele finalmente desiludido e transferido a sua afeição para Josephine de Chaney?! Era só o que faltava: Chalfront engraçar-se pela concubina do barão! Pobre homem! Tudo o que poderia esperar era a ira do barão, e a indiferença de Josephine.

Decidindo, no entanto, que as intrigas amorosas daquela gente não eram da sua conta, Gabriella saiu do salão, apressada. Mary encarregar-se-ia de distribuir as roupas a quem achasse conveniente.

Gabriella respirou profundamente o ar fresco e húmido, enquanto se dirigia para a cabana de Mary. O céu cinzento ameaçava chuva, mas pelo menos ela estava fora do castelo e longe dos seus habitantes.

Um grupo de crianças camponesas colhiam os frutinhos maduros que salpicavam as sebes de vermelho-escuro, e Gabriella sorriu, ao passar por elas. Ao atravessar a ponte estreita de madeira sobre o rio, ela avistou Osric, o cavaleiro, a caminhar a passos largos ao longo do rio, em direcção à sua casa. Parecia ansioso, quase transtornado, e Gabriella teve a impressão de que as roupas dele estavam sujas de sangue. Talvez se tivesse magoado...

Ela decidiu segui-lo, pois a mãe de Osric tinha bastante idade e poderia precisar de ajuda, se o ferimento fosse grave. Gabriella parou do lado de fora da porta, e já ia bater quando ouviu a voz áspera de Osric.

– Ele quase me viu – balbuciava o cavaleiro, ofegante.

– Quem?

Gabriella ficou paralisada. Baixou a mão, sem bater, mas também não se conseguiu afastar. Nunca ouvira Alice a falar naquele tom; a velhinha sempre lhe parecera tão meiga e humilde... e agora falava com brusquidão, como se fosse a mais rabugenta proprietária de uma taberna da Inglaterra.

– O barão! Eu seria um homem morto, se ele me tivesse visto, mamã – choramingou Osric. – Acho que está na hora de nos mudarmos daqui.

– E deixar estas matas? – Alice proferiu um impropério e Gabriella levou uma mão à boca, arregalando os olhos, incrédula. – Não sejas palerma, Osric! Os coelhos daqui têm a melhor pele que já vi! Tu precisas de ter mais cuidado, é só isso.

– Estou-lhe a dizer, mamã, que isto está muito perigoso – teimou Osric. – O barão não é tão idiota como o conde. O tempo das vacas gordas já acabou!

– Só se tu quiseres, seu pateta! – rosnou Alice. – Vamos fazer uma pausa, pronto. Daqui a algum tempo, recomeças. Estou velha demais para ficar a preambular por aí, à procura de um lugar para morar. Agora, vai buscar-me uma cerveja e pára de te queixares. E tira essa roupa, depressa! Se alguém te vir sujo de sangue, poderá desconfiar.

Gabriella girou nos calcanhares e deu alguns passos apressados para longe da casa, com a sensação de estar a sonhar. O seu pai fora, de facto, explorado! Quantos mais o chamavam de idiota e gozavam com ele? Quantos mais o tinham enganado e roubado?

Ela quisera encontrar, de qualquer maneira, uma justificativa para a relutância daqueles homens em ajudá-la, apenas para descobrir que o barão tinha razão, pelo menos em parte.

Gabriella seguiu caminho para a casa de Mary, tentando decidir o que fazer. Devia contar ao barão o que descobrira? Ou devia falar com William, primeiro? Ou com Robert? Em quem poderia ela confiar, por todos os santos?!, pensou, desolada, conforme os primeiros pingos de chuva lhe caíam sobre a cabeça.

O céu estava escuro e o vento sacudia os galhos secos das árvores que margeavam o caminho para o castelo Frechette. Não se ouvia o canto de um único pássaro a romper o silêncio, apenas o baque surdo e lento das patas dos cavalos, conforme se aproximavam dos picos da cordilheira que circundava o vale.

Apesar de tudo, Etienne sentia-se contente por estar de volta. O contraste com as suas outras propriedades, bem menos sumptuosas, levara-o a dar mais valor à extraordinária beleza do castelo Frechette, mesmo num dia húmido e sombrio de Outono, como aquele.

Etienne repetia a si mesmo que também estava satisfeito porque a decisão que tomara durante a viagem fora uma decisão sensata.

Gabriella Frechette teria de deixar o castelo. A sua simples presença incentivava o desrespeito entre os servos e a impertinência dos arrendatários. Portanto, ela teria de se ir embora. A princípio, Etienne pensara em dispensar Gabriella assim que voltasse, mas depois pensara que tal atitude poderia ser interpretada pelos arrendatários como fraqueza da sua parte. A Primavera seria uma boa época. Ele não determinara um prazo para a prestação de serviços de Gabriella, portanto seria magnânimo na Páscoa.

Etienne moveu-se na sela, procurando uma posição mais confortável, e olhou sobre o ombro. Jean Luc Ducette, alto e esquelético, cavalgava serenamente ao seu lado. Philippe vinha logo atrás, provavelmente contrariado por não ter sido favorecido com a posição de honra. O humor de Philippe, no entanto, não preocupava Etienne. Em breve, eles estariam no castelo, com uma boa refeição, o calor do fogo... e Josephine!

Por todos os santos, ele deveria sentir-se mais eufórico! Tinha a mulher mais linda do país como amante, dez propriedades prósperas, um castelo magnífico. Jean Luc dissera-lhe que o lucro dos solares tinha sido maior do que o esperado, e um clima de paz pairava na nação, o que significava que era mínima a probabilidade de o chamarem para a guerra durante os meses castigadores do Inverno. Na verdade, ele deveria sentir-se bem mais entusiasmado.

Talvez fosse a presença do petulante Philippe que lhe anuviava a alegria. Philippe nascera insatisfeito, e passava a vida a culpar os outros. Não cabia a Etienne ficar à procura de Philippe, mas a este colocar-se à disposição do seu amo. Em vez disso, das poucas vezes que Etienne fora caçar, Philippe encontrava-se ocupado, geralmente a embebedar-se na taberna mais próxima, ou na própria cozinha do castelo.

Na Primavera, decidiu Etienne, também mandaria Philippe embora, se até lá ele não tivesse ido por si mesmo.

Foi então que Etienne detectou um movimento dentro do bosque e puxou abruptamente a rédea da sua montaria. Ele saltou do cavalo, torcendo o tornozelo, no processo, empertigando-se no mesmo instante, sem uma palavra ou gemido, ignorando a dor enquanto se aproximava do animal morto.

Era um veado, uma fêmea gigantesca, e acabara de ser abatida quando o invasor obviamente ouvira os homens a aproximarem-se e fugira.

Etienne franziu a testa e praguejou, baixinho. Com que então, alguém se atrevera a ignorar a sua advertência. Se ele não tivesse sentido necessidade de se afastar da tentação de Gabriella Frechette, poderia ter reforçado com mais eficácia as suas ordens. Fora um erro deixar George a comandar; tanto quanto era um guerreiro destemido e talentoso, o cavaleiro não tinha o hábito de dedicar atenção a assuntos que não lhe interessavam.

Philippe, Jean Luc e alguns dos soldados também desmontaram e reuniram-se ao redor do barão, contemplando, em silêncio, o animal ensanguentado.

– Levem-no para o castelo – ordenou Etienne. – Darei dez moedas de ouro a quem me trouxer o invasor, com provas.

Etienne voltou para o cavalo, com uma expressão tensa e contrariada, de frustração e de dor. Quando montou e inadvertidamente o seu pé esbarrou no cavalo, ele fechou os olhos, duvidando, por um momento, que fosse capaz de continuar a suportar aquela agonia em silêncio.

Mas o barão desprezava todo e qualquer sinal de fraqueza, mais ainda em si próprio do que noutras pessoas. Com algum esforço e sorte, ele esperava conseguir disfarçar, até chegar ao castelo e poder ficar sozinho. Atiçou o cavalo com o calcanhar do outro pé e partiu, num galope suave, à frente dos demais.

Etienne tentou manter a expressão serena, enquanto subia os degraus para a entrada do salão principal, apesar do tornozelo inchado e dorido. Conseguira esconder a sua condição dos criados do estábulo, mas não via o momento de chegar ao quarto, onde poderia ficar sozinho. Teria de pensar em algo para mandar Josephine sair do quarto, e... Foi então que ele se deu conta de que ela não estava no pátio para o receber; normalmente, Josephine deixava ordens estritas aos sentinelas para que a chamassem assim que o avistassem das muralhas. Talvez a chuva fina e persistente que começara a cair tivesse impedido Josephine de o esperar do lado de fora.

Etienne abriu a porta e entrou, parando no vestíbulo para tirar a capa molhada e tentando não se perguntar onde estaria Gabriella.

Estava explicada a ausência de Josephine no pátio; ela encontrava-se sentada numa cadeira alta, perto do fogo, rodeada pelos artigos que lhe oferecia um casal de mercadores, como se tivesse sido transportada para um bazar do Oriente. O mercador, um homem robusto e com modos ansiosos, abria caminho entre as mercadorias para mostrar a Josephine um rolo de tecido dourado, que Etienne suspeitou que custasse uma verdadeira fortuna; a chapeleira, mais discreta que o marido, aguardava de pé entre uma confusão de chapéus, coroas, tiaras, écharpes, fitas, véus, flores secas e plumas, bloqueando a passagem para a escada. Chalfront também se encontrava presente, encostado à parede, a observar a cena com uma expressão cómica no rosto, um misto de fascínio e apreensão. Não restava dúvida de que se preocupava com a quantidade de dinheiro que Josephine poderia gastar.

Forçando uma expressão jovial, Etienne caminhou até ao centro do salão.

– O que é isto, Josephine? – perguntou. – Mais uma oportunidade para acabares com o meu dinheiro?

Chalfront deu um salto para a frente, como se o barão lhe tivesse acertado com uma flecha. Josephine limitou-se a sorrir; sabia que o barão não a recriminava por comprar roupas finas, mas pelo contrário, lhe admirava o bom gosto e queria-a sempre bem vestida.

O rosto corado do mercador ficou ainda mais vermelho.

– Oh, milorde! – exclamou, curvando-se tão exageradamente que o seu nariz quase tocou no chão. – Saudações! Seja bem-vindo ao nosso povoado! Somos felizardos por tê-lo entre nós!

– Você quer dizer que é felizardo por ter o meu dinheiro a entrar nos seus bolsos – retorquiu Etienne, divertido, cruzando os braços e apoiando o peso do corpo no pé esquerdo.

– Barão DeGuerre! – exclamou o mercador, horrorizado. – Naturalmente, sou grato pelo seu apoio, mas como eu dizia a lady de Chaney, faço questão que ela aceite este tecido como presente.

– Presente? – Etienne e Josephine entreolharam-se. – E o que espera em troca?

– Oh, milorde, não espero nada! É claro que, se algum convidado quiser saber onde lady de Chaney obteve o tecido, eu ficaria grato se ela mencionasse o meu nome.

– É óbvio – respondeu Etienne.

Aquele tipo de coisa repetia-se com frequência, e nunca deixava de divertir Etienne. Mercadores de roupas, de perfumes, de jóias, carpinteiros, todos presenteavam Josephine com as suas mercadorias, na esperança de que outras mulheres, talvez ansiosas para a imitar, os procurassem para adquirir mercadorias semelhantes. Por mais que se divertisse, no entanto, a observar as negociações entre Josephine e aqueles bajuladores, a dor no pé estava a tornar-se insuportável.

– Vou subir para trocar de roupa – anunciou. – Jean Luc e os outros estarão aqui em breve – Ele virou-se para Chalfront. – Amanhã, reveremos a contabilidade.

Etienne estudou atentamente o rosto do meirinho, para lhe julgar a reacção, e ficou satisfeito ao detectar apenas interesse, e não culpa. Ele devia ser honesto, reflectiu; se tivesse cometido alguma falcatrua, não reagiria com tamanha tranquilidade.

– Precisas de ajuda? – perguntou Josephine, fazendo menção de se levantar.

A atenção de Etienne ainda estava concentrada em Chalfront, e por isso ele teve a oportunidade de vislumbrar alguma coisa nos olhos do outro homem; uma emoção, sem dúvida... algo forte, intenso. O que seria?... Inveja, talvez? Ciúme?

– Não te preocupes – respondeu, seco, olhando para todos e para ninguém em especial. – Fica aqui e compra o que quiseres. Chalfront dar-te-á o dinheiro necessário.

O largo sorriso do mercador teria divertido Etienne, noutra ocasião; naquele momento, contudo, ele tinha coisas mais importantes com o que se preocupar.

Etienne tinha a certeza que acontecera alguma coisa durante a sua ausência. Aparentemente, Chalfront desiludira-se com as negativas de Gabriella e transferira a sua afeição para Josephine. A primeira reacção de Etienne foi a tentação de explodir numa gargalhada. Chalfront e Josephine?! Era ridículo! Um verdadeiro disparate. Além do mais, Josephine era inteligente demais para tentar enganá-lo; com o seu bom senso, sabia que ganharia muito mais agradando-o do que traindo-o.

No entanto, ela olhava na direcção de Chalfront com mais frequência do que Etienne gostaria de reconhecer.

Enquanto caminhava em direcção à escada, Etienne olhou sobre o ombro, no momento em que Gabriella saía da cozinha, carregando um jarro e dois cálices. Ao vê-la, ele esqueceu-se de tudo o mais que se passava no salão; apesar da sua resolução em manter-se indiferente àquela jovem, uma forte emoção dominou-o.

Ela parecia pálida e abatida. Estaria doente? Se não estivesse bem, ele dispensá-la-ia dos seus deveres até que se recuperasse.

O olhar de Gabriella encontrou o de Etienne por um breve momento, e ele teve a impressão de a ver enrubescer. Em seguida, ela desviou o olhar, obviamente contrafeita.

– Leva uma bacia com água quente para o meu quarto – ordenou Etienne, virando-se em seguida e abrindo caminho por entre as mercadorias da chapeleira, para subir a escada.

Josephine pôs-se de pé, com uma expressão ansiosa.

– Eu levo-te a água.

– Não, tu estás ocupada. A Gabriella pode levar.

Etienne não se preocupou em observar a reacção de Josephine; não lhe interessava saber se ela ficara aborrecida, ou não. Com uma expressão impassível, subiu a escada, em direcção ao quarto.

Batalha de amor - Uma dama para o cavaleiro

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