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Dois

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O barão enfiou a mão sob o cinturão e retirou uma pequena bolsa de couro.

Gabriella tinha poucas dúvidas acerca do que ele esperava como recompensa pela sua «generosidade», aquele homem antipático, pedante, arrogante, que tentara humilhá-la no pátio da sua própria casa. Que tipo de mulher pensava ele que ela era? O mesmo tipo de Josephine de Chaney, que abandonara a moral pelo dinheiro?

– Eu não quero nada do senhor, milorde – declarou, com desprezo na voz.

Nenhum músculo se moveu no rosto másculo e impassível do barão.

– O senhor... é muito bondoso, milorde – exclamou Chalfront, ansioso, aumentando a irritação de Gabriella. – E todos sabem disso, sem dúvida.

– Excepto esta pessoa – retorquiu o barão, olhando fixamente para Gabriella. – Aceitando, ou não, a minha oferta, tu deixarás esta casa e o condado imediatamente.

– Eu não farei isso. Esta é a minha casa, e...

– Se eu te disser para ires, tu vais – afirmou o barão, num tom de ameaça. Em seguida, sorriu. – Se quiseres ficar... será como criada.

Gabriella empertigou-se.

– Os arrendatários ficariam desolados com essa decisão, milorde.

– Os arrendatários? – repetiu Etienne, incrédulo. – E que diferença me faz, se eles ficam desolados, ou não?

Mediante as palavras arrogantes do barão, o clima que pairava no pátio alterou-se subtilmente, de medo para desafio. – Se eles querem permanecer nas minhas terras, terão de me agradar a mim, e não à filha do falecido conde.

Lentamente, o barão percorreu os olhos pela multidão. Todos se calaram abruptamente, e a insolência desapareceu, como se o barão a tivesse arrancado com as mãos, de cada uma das pessoas ali presentes. Uma a uma, elas começaram a sair pelo portão, cabisbaixas. – Falarei contigo mais tarde, Chalfront.

O meirinho, compreendendo que fora dispensado, juntou-se à multidão que se retirava.

– Até logo, Gabriella Frechette – murmurou o barão DeGuerre, com uma expressão levemente sorridente nos olhos, antes de girar sobre os calcanhares e caminhar em direcção ao salão, claramente convencido, pelo silêncio dela, que vencera aquela discussão inicial. O cavaleiro que lhe fazia companhia retorceu os lábios num sorriso malévolo e seguiu-o, como um cão atrás do dono.

Gabriella ficou sozinha no pátio, sentindo-se mais abandonada do que se sentira com a morte do pai, ou com a ausência de Bryce. Se ficasse no castelo, teria de ser uma criada, humilhar-se diante dos servos e dos arrendatários a quem conhecia desde pequena, as mesmas pessoas que, segundo a criação que recebera, sabia que tinha o dever de proteger.

Mas seria assim tão humilhante ser uma serva? O seu pai não costumava exaltar sempre o trabalho daquele povo e o valor dos operários que tinham construído aquele lugar? Seria pior do que deixar a sua casa?

Os Frechette não se acobardavam. Aquela fora a casa da sua família durante várias gerações; o barão DeGuerre não podia forçá-la a ir-se embora, por mais que tentasse. Além disso, ainda existia a possibilidade de Bryce voltar, um dia, e, nesse caso, o que aconteceria se ela não estivesse lá? Gabriella não podia contar com o barão DeGuerre, nem com Robert Chalfront, para dizer ao seu irmão para onde é que ela fora.

E, como o barão bem sabia, seria perigoso para uma dama viajar desacompanhada e sem dinheiro. Ela não demoraria a ver-se em apuros, e à mercê de vilões ainda mais desprezíveis que ele.

Se ficasse, poderia ter, ainda, uma oportunidade de ajudar o seu povo. Mais do que nunca, os arrendatários precisariam do seu apoio. Se partisse, daria ao barão motivos para acreditar que ele triunfara. Portanto, só tinha uma decisão a tomar. Ela ficaria.

Amparada pelo orgulho do nome da sua família, Gabriella girou nos calcanhares e dirigiu-se à entrada de serviço do castelo.

Apesar do que se passara no pátio, a cozinha fervilhava com os preparativos para o banquete daquela noite, que a própria Gabriella decidira oferecer, e que acabaria com o último stock de mantimentos que o seu pai mandara comprar. Tanto ela quanto o cozinheiro orgulhavam-se daquela refeição especial, embora por motivos diferentes. Gabriella tinha em mente a honra da família; Guido queria garantir a sua posição no castelo, impressionando o novo amo.

Uma das criadas avistou Gabriella e deixou escapar uma exclamação de espanto. Em seguida, os demais tomaram consciência da sua presença e um ligeiro constrangimento tomou conta de todos, até que Guido se aproximou dela, com as mãos estendidas, cobertas de farinha.

– Milady! – exclamou ele, com o sotaque italiano mais acentuado em consequência da indignação. – Que coisa terrível! O barão está longe de ser um cavalheiro! Sente-se aqui.

O cozinheiro indicou uma pilha de sacos de farinha.

Gabriella sorriu, segura da afeição daquela gente, e de que tomara a decisão acertada.

– Não, Guido – retorquiu, com firmeza. – Se vou ser uma serva, é melhor começar logo a trabalhar.

Os demais servos trocaram olhares chocados.

– Milady! – começou James, o padeiro. – A sua santa mãe...

– Descansa em paz, no túmulo – apressou-se Gabriella a dizer, tentando combater a dor e o ressentimento. – O barão fez-me um ultimato e eu fiz a minha escolha, da qual não me arrependo. Agora, vejamos... as flores já estão nas mesas?

– Não, milady – respondeu uma jovem chamada Alda, gesticulando com a cabeça na direcção dos molhos de beijos-de-freira, cujos pés já tinham sido aparados.

– Muito bem. Eu trato disso. – Gabriella pegou numa braçada de flores e dirigiu-se para o corredor, em direcção ao salão.

– Alda, vai ajudá-la – ordenou Guido.

Gabriella detectou o respeito na voz do cozinheiro, e sentiu-se subitamente melhor. Os servos do castelo sempre tinham sido deferentes para com ela, mas ela nunca estivera tão consciente do respeito que lhe dedicavam. E, naquele momento, não era porque ela fosse filha de quem era, e sim por ela mesma.

Enquanto Gabriella esperava que Alda fosse buscar mais flores e a acompanhasse, Guido espreitou para dentro de uma panela borbulhante, como um alquimista que espera que o chumbo se transforme em ouro; como se o destino do reino dependesse da execução da sua tarefa. James ocupou-se a desenformar uma sobremesa, fazendo uma pausa para dedicar um largo sorriso a Gabriella.

E o barão acreditara que ela se ia embora!

Durante o jantar, Etienne DeGuerre permitiu-se um ligeiro e raro sorriso de satisfação. O rei não mentira ao afirmar que o conde de Westborough, embora não fosse um guerreiro, era esperto e meticuloso na construção de defesas. Aquele castelo era mais seguro que todas as fortalezas que Etienne já vira. O muro externo devia medir uns seis metros, por dois de espessura. O muro interno era ainda mais alto e mais largo, construído de forma a possibilitar aos arqueiros proteger ou derrotar soldados encurralados entre um e outro. O recinto da portaria era quase tão grande quanto o estábulo, fortificado por uma ponte levadiça e por uma sólida porta de carvalho reforçada com barras de ferro. Acima e atrás da ponte levadiça ficava o orifício da morte, através do qual podiam ser lançadas pedras, ou óleo a ferver, a fatalidade de qualquer inimigo que se encontrasse entre a ponte e o muro externo.

O conde também fora um homem dotado de sentido de localização. O castelo fora construído sobre uma suave elevação, na confluência de dois rios, um ponto de indiscutível importância estratégica. A decoração luxuosa era algo novo na experiência de Etienne. Ele não desaprovava o estilo; durante anos, sobrevivera com as mais básicas necessidades. A beleza exterior daquela fortaleza parecia significar que todos aqueles anos de luta tinham, finalmente, ficado para trás. Não que ele pudesse ter já tranquilidade na vida, reflectiu, observando Philippe de Varenne a conversar com George.

O jovem cavaleiro era um fanfarrão genioso e ambicioso, mas pertencia a uma família nobre e rica, e Etienne não tinha dúvida de que ele em breve o deixaria por outro amo que tivesse mais para oferecer. Estava, portanto, disposto a tolerar a presença de Philippe, principalmente porque o cavaleiro era generoso quando se tratava de gastar o próprio dinheiro, e habitualmente pagava refeições em tabernas para si e para os amigos, poupando, dessa forma, as economias do barão.

George era um cavaleiro bom e leal, apesar de um pouco indiferente a qualquer coisa que não fossem as suas vestimentas e o facto de ser o homem mais espirituoso da corte. Era um homem com quem Etienne podia contar numa luta; por outro lado, possuía o dom de evitar que os demais expressassem fisicamente os seus desentendimentos.

Em contraste, Donald Bouchard, de família tradicional, porém pobre, era sério demais, e como tal, Etienne suspeitava, do treino rigoroso de Urien Fitzroy, um mestre cuja fama crescia a cada dia, pela habilidade e integridade moral dos seus alunos.

Seldon Vachon beneficiara imensamente da orientação de Fitzroy. Etienne conhecia a família do jovem, um bando de fanfarrões que só arranjavam confusão. Graças à sólida amizade de Donald, no entanto, e ao exemplo de Fitzroy, Seldon era uma excepção dentro da família.

Os demais cavaleiros e escudeiros tinham pontos comuns entre si, todos ambiciosos e ansiosos para agradar ao seu amo e senhor, cada qual à procura de se distinguir mais que o outro. Alguns eram ricos, outros, pobres, porém todos queriam mais, fosse riqueza, fama, ou poder; e todos esperavam alcançar esses objectivos através de Etienne DeGuerre.

Etienne acalentava expectativas semelhantes, e portanto não colocava empecilhos às aspirações dos seus cavaleiros, desde que eles não tentassem progredir às custas do seu prejuízo.

Assim que examinou o interior do salão, Etienne notou imediatamente a discrepância entre o esmerado entalhe na pedra dos batentes das portas e da lareira, o capricho da pintura das paredes e o lustro dos revestimentos de madeira, e a escassez de mobília. Certamente, móveis e objectos de decoração que tinham sido vendidos para pagar as numerosas dívidas do conde. Contudo, com algum capital inicial e o bom gosto de Josephine, aquele salão em breve transformar-se-ia num palco de exibição da riqueza e do poder do barão DeGuerre.

Ele já detectara o toque de Josephine nos vasinhos de flores que decoravam as mesas. Virou-se para ela, satisfeito, como sempre, ao pensar que aquela criatura maravilhosa lhe pertencia, e que os homens o invejavam, além de tudo mais, por causa dela.

– Onde é que encontraste todas estas flores?

A concubina olhou para ele, surpresa.

– Não fui eu, Etienne – respondeu ela, com a meiguice que lhe era peculiar. – Fiquei a arrumar a bagagem até agora há pouco. As servas devem ter enfeitado as mesas.

– Ah... não tem importância – Etienne esticou um braço para se servir de mais um pedaço de pão, apreciando intimamente aquele extravagante banquete. Decorreria um bom tempo antes que ele autorizasse um evento semelhante no castelo, e portanto, o melhor que tinha a fazer era regalar-se às custas do falecido conde.

O pão era delicioso, a carne soberbamente temperada, as frutas frescas, as massas leves, provando que o conde tinha um excelente cozinheiro e que não fora feita economia no abastecimento do castelo. Os servos executavam as suas tarefas com rapidez e eficiência; obviamente, tinham sido bem treinados.

Que lugar devia ter sido aquele, quando o conde e a sua esposa ainda eram vivos e ricos! Era fácil imaginar o luxo, os preparativos para as recepções, os inúmeros convidados, a música, os risos; também não era difícil visualizar uma filha mimada, alheia à trágica mudança prestes a ocorrer na sua vida. Mas isso não era da sua conta, reflectiu Etienne.

Tudo aquilo era tão diferente do casebre de taipa que fora o lar da sua infância, comandado por uma mãe amargurada e dominadora, e que tinha como única visita as lembranças do pai!

Nada disso tinha importância agora, contudo. Etienne superara as dificuldades do passado, e o conde morrera depauperado.

O barão recapitulou as outras coisas que o rei lhe contara: as tremendas baixas nos stocks, causadas pela generosidade desmedida do conde de Westborough para com quem quer que chegasse aos portões do castelo; a indiferença perante as actividades ilegais, principalmente a invasão de propriedade; as espantosas quantias de dinheiro que ele doava à igreja para a celebração de missas e orações. Não que tivesse restado muito para doar, depois da desastrosa safra do Outono anterior.

Etienne reparara no perfeito estado de conservação da maioria das habitações dos camponeses, enquanto cavalgava em direcção ao castelo. Ocorrera-lhe que, de certa forma, era injusto que o conde perdesse as suas terras, enquanto os arrendatários prosperavam a olhos vistos.

Etienne também ouvira histórias sobre o mimado e imprestável filho do conde, que deixara o país porque se considerara ofendido pelo pai. Talvez o jovem não estivesse a par da situação financeira, ou do precário estado de saúde do pai, mas devia ter tido a preocupação de avisar para onde ia, pelo menos à irmã ou a alguém de confiança no castelo. Por causa do egoísmo de Bryce Frechette, Gabriella encontrava-se em sérias dificuldades, e completamente sozinha. Apesar disso, ela não parecia condenar o comportamento infantil do irmão. Pouco antes, no pátio, mostrara-se contrafeita ao ouvir a verdade revelada abertamente, perante os arrendatários.

Etienne recostou-se na cadeira, pensativo, a observar os seus homens, que, obviamente, estavam a apreciar a esplendorosa refeição. Ele supunha que Gabriella Frechette diria, com a sua voz desafiadora e intrigante, que amava o irmão. Era uma lástima pensar que uma mulher com uma personalidade tão marcante se deixasse cegar pela emoção.

Mas o apuro de Gabriella Frechette pertencia ao passado. Àquela altura, ela já partira de certeza, e Etienne tomaria posse da sua décima propriedade, o número que ele estabelecera a si mesmo, anos antes, quando era pobre e passava fome e frio, no Inverno. Finalmente, a sua busca terminara.

Etienne DeGuerre permitiu-se outro sorriso, enquanto esticava o braço para pegar no cálice de vinho. Antes de o levar aos lábios, contudo, ele ficou imóvel por uma fracção de segundo. Gabriella Frechette acabara de sair da cozinha, trazendo uma travessa com carne, que começou a servir a um embevecido George de Gramercie.

Por todos os santos! Ele pensara que ela tivesse juntado as suas coisas e partido imediatamente após a humilhação em público. O que levava uma mulher a ficar, depois daquilo tudo?

Uma nova sensação invadiu Etienne, algo que há muitos anos ele não experimentava; de repente, sentiu-se envergonhado por ter tentado humilhar aquela mulher forte e corajosa. Seria possível que ela não tivesse consciência da sua verdadeira situação?

Ele percorreu os olhos pelo salão. Philippe de Varenne também observava Gabriella, com uma expressão de cobiça nos olhos de serpente e um sorriso cínico nos lábios finos. Até o normalmente jovial George olhava para ela com o semblante sério.

Felizmente, Donald Bouchard não representava perigo, mas até ele contemplava Gabriella Frechette como se um anjo do céu lhe estivesse a servir o jantar! O único que parecia indiferente à presença de Gabriella era Seldon, cuja atenção estava toda concentrada no prato à sua frente.

Etienne reparou no movimento gracioso e provocante dos quadris de Gabriella. Seria propositado, ou um simples dom da natureza? De qualquer modo, se ela permanecesse no castelo, causaria problemas.

Aquela situação não podia continuar, reflectiu Etienne. Gabriella precisava de se ir embora antes que os seus homens começassem a lutar por causa dela.

– Gabriella! – chamou ele, elevando ligeiramente a voz.

Gabriella aproximou-se, com uma expressão de indagação no olhar e um ligeiro rubor nas faces.

Etienne sabia que não podia voltar atrás, no seu ultimato. Seria um sinal de fraqueza, a que ele não se podia permitir.

Pensamentos indesejados invadiram-lhe a mente, ao contemplar Gabriella Frechette. Inesperadamente, visualizou-se a acariciar aquele corpo perfeito, a beijar-lhe os lábios rosados, a seduzi-la, transformando o ódio que ela sentia em ardente desejo...

Ele olhou de soslaio para Josephine, que limpava discretamente os lábios com um guardanapo. O que é que estava a acontecer? Estaria a ficar louco, a pensar em beijar uma pirralha como aquela quando tinha uma mulher como Josephine de Chaney à sua disposição? Que feitiço era aquele que uma nobre despojada da sua fortuna exercia sobre ele?

Gabriella parou e inclinou a cabeça, em expectativa. Etienne olhou para ela durante um momento; precisava de ter, e teria, absoluto controlo sobre aquela propriedade, sobre aquele castelo e, principalmente, sobre aquela mulher.

– Enche o meu cálice – ordenou.

Gabriella obedeceu, evitando olhar para o rosto atraente do barão, iluminado pelas inúmeras tochas apoiadas em castiçais, nas paredes. Apesar do apoio e do carinho que recebera dos servos, ela antecipara com apreensão o momento de se ver frente a frente com ele, outra vez. Aqueles olhos azuis intimidavam-na... O barão DeGuerre parecia uma estátua, não revelava os seus sentimentos. Não parecia humano. Era como se fosse um guerreiro sobrenatural enviado à Terra para mostrar aos outros que não passavam de frágeis seres da humanidade.

Ele permaneceu imóvel, enquanto ela se debruçava para encher o cálice, com as mãos trémulas. Não, não uma estátua, reflectiu Gabriella, inquieta. O barão parecia mais um gato, sentado à frente do buraco de um rato.

A presença daquele homem dominava o salão e a consciência de Gabriella. Ela procurou concentrar-se no que estava a fazer, ansiosa para se afastar dali. Finalmente, o barão moveu-se, recostando-se na cadeira de espaldar alto com um movimento graciosamente másculo. Gabriella deu um passo para trás, mas antes que se virasse, ele sorriu, com um ar de malícia e sedução, e murmurou:

– Vai para o meu quarto.

– Etienne! – exclamou Josephine de Chaney, incrédula. A suspeita e a dor transpareceram nos adoráveis olhos verdes, confirmando a Gabriella o que esta não queria aceitar.

– Como a condição de serva é nova para ti, desta vez vou repetir – disse o barão, ignorando a concubina. – Vai para o meu quarto.

Gabriella limitou-se a olhar para ele, chocada e horrorizada. Não podia ser... Ele não... seria capaz! Ela sentia-se como se tivesse sido despida diante de todos. Uma profunda vergonha invadiu-a, ao mesmo tempo que esperava, contra todas as probabilidades, que ele cancelasse a ordem. Ela podia ser uma serva, mas era uma mulher livre. Se o barão a possuísse à força, estaria a cometer um crime. E ela... faria... o quê? Quem a apoiaria contra o poderoso barão DeGuerre, o favorito do rei, o terror dos torneios, um homem que já lutara dez horas seguidas para ganhar um saco de moedas de prata?

À medida que o barão continuava a olhar para ela com os olhos azuis inescrutáveis, Gabriella começou a compreender que se empenhara num combate com um inimigo cujo poder e influência subestimara.

Com as costas erectas e o porte de uma rainha, ela virou-se e caminhou na direcção da escadaria que levava à torre norte, onde ficava situado o quarto do senhor do castelo.

– Ora, ora, ora, quem é que esperava por esta? – murmurou Philippe de Varenne, gesticulando com a cabeça na direcção de Gabriella, conforme ela desaparecia escada acima e o silêncio no salão era rompido por uma lufada de murmúrios e sussurros.

Sir George de Gramercie, normalmente tão pronto a fazer gracejos, limitou-se a arquear as sobrancelhas aristocráticas e a balançar a cabeça.

– Quero dizer, acho que todos nós sabemos quais são as intenções dele – continuou Philippe, antes de beber um longo gole de vinho. – Eu sei o que faria, se tivesse uma criaturinha como aquela ao meu serviço.

– O barão não lhe fará mal – declarou Donald, numa atitude ao mesmo tempo chocada e defensiva.

– Eu não disse que ele lhe faria mal – retorquiu Philippe, piscando um olho. – Eu daria uma bolsa de ouro para saber o que Josephine está a pensar, neste exacto momento.

Os homens olharam na direcção de Josephine de Chaney. Tanto ela quanto o barão comiam tranquilamente, como se nada fora do comum tivesse acontecido.

– Ela jamais o questionará – disse George, com convicção. – É inteligente demais para isso.

– O que a torna a concubina perfeita, hum? – observou Philippe. – Entre outras qualidades.

– Tu estás a falar de uma dama – repreendeu Donald.

– Uma dama desonrada – lembrou Seldon, com mais franqueza que tacto.

– Mas uma dama, de qualquer forma – insistiu Donald. – E não acho bem que faças comentários sobre a dama do barão, nem ridicularizes o seu nome.

Seldon, que normalmente concordava com Donald, encolheu os ombros. George sorriu, e Philippe estalou a língua, em sinal de desaprovação.

– Perdoa-me se ofendi a tua delicada sensibilidade – disse, sarcástico. – Mas, independentemente do quão bonita é, Josephine de Chaney é uma...

George ergueu uma mão.

– Não exactamente – advertiu, olhando para o homem impetuoso sentado ao seu lado. – E acho que cabe fazer a distinção. – Lady Josephine é uma nobre.

– Sem dúvida – concordou Donald.

– Isso mesmo – apoiou Seldon, limpando os lábios com o guardanapo.

– Pois bem – concedeu Philippe, contrariado. – Mas aquela... Gabriella... já não é – Ele retorceu os lábios num sorriso desagradável e ergueu o cálice. – Brindemos à impertinente Gabriella! Eu diria que ela vai aprender uma lição da qual não se esquecerá tão cedo.

Donald parecia horrorizado. Seldon, também, mas foi George quem falou primeiro.

– Philippe – repreendeu, com um leve tom de irritação na voz. – Tu sabes que o barão não lhe vai fazer nada.

– Então, por que é que a mandou subir? – exigiu Philippe.

– Talvez ele queira que ela lhe preste algum serviço.

– Mas é exactamente isso que estou a dizer – exclamou Philippe, olhando para os outros.

– Eu refiro-me a trabalho – disse George, impaciente. – Talvez, alguma coisa que tenha a ver com as botas dele, ou com a capa. O barão não tem lacaio de quarto, como tu sabes.

– E tu achas que ele pretende ter uma lacaia de quarto? Não deixa de ser uma ideia fascinante!

– O que estou a dizer é que o barão nunca desonrou uma mulher antes, que eu saiba, e não vejo por que é que o faria agora.

– Não? Tu és cego, homem? Ela tem o mais redondo e lindo...

– Nós notámos – interrompeu Donald, enrubescendo como uma criança.

– Ah, notaste? – perguntou Philippe. – Pensei que tu só te preocupasses com assuntos espirituais.

– E com o meu dever aqui na terra – afirmou Donald, resoluto. – É o nosso dever, como cavaleiros do reino, proteger as mulheres.

– Além do mais, o barão não se arriscaria a ser acusado de assédio – observou Seldon, com um ar solene.

– Tu testemunharias contra o barão, a favor de uma criada?

– Para defender uma mulher inocente, sim – respondeu Donald, em lugar do amigo.

– Minha nossa! – Philippe olhou para ele, horrorizado. – Tu devias, mesmo, ser monge!

– O pobre meirinho ficou transtornado – interveio George, tentando desanuviar o clima tenso. – Correu para fora do salão como se estivesse a ser perseguido por uma matilha de cães de caça.

– E por que é que ele estaria transtornado? – indagou Philippe, enchendo mais uma vez o cálice. – Vai continuar a ser o meirinho. Por enquanto.

– Eu diria que ele se preocupa com a filha do falecido patrão.

– Mas nada fez para a defender – acusou Donald.

– Ora, Donald! – murmurou George. – Ele não é um cavaleiro. Eu não me surpreenderia se ele estiver apavorado com o barão DeGuerre. Ela não estava. Quem poderia imaginar que uma mulher tivesse a ousadia de enfrentar o barão?

– Ele não é um deus – disse Philippe, irritado. – Vocês tratam o barão como se ele fosse o próprio Messias!

– Tu dizes isso porque estás ao serviço dele há pouco tempo – explicou George, afavelmente. – Nunca o viste lutar. A tua opinião vai mudar muito em breve meu amigo.

– Talvez – Philippe encolheu os ombros, claramente não convencido.

– O nosso amigo Donald ainda está a sofrer os efeitos do treino de Fitzroy – acrescentou George, com um sorriso triste. – Os conceitos daquele homem em relação ao sexo fraco são ainda mais exagerados que os do barão.

– Ah, sim, o famoso Fitzroy! – exclamou Philippe. – Eu gostaria de enfrentá-lo num torneio, um dia destes. Tu lutaste com ele, não foi, Seldon?

Seldon desviou o olhar.

– Sim.

– E perdeste?

– Sim.

– Não foi uma competição justa, pelo que me disseram.

– Cala-te e esquece! – ralhou Donald, levantando-se. – Isso foi há muito tempo, e Seldon já compensou a derrota, muitas vezes, desde então.

– Claro, claro... acalma-te! – apressou-se Philippe a dizer. – Eu só fiz uma pergunta.

– Vamos lá, não há necessidade de te aborreceres – apaziguou George. – Afinal, somos todos amigos.

– Pois para mim, basta por hoje! – disse Donald, inconformado, sem tirar os olhos do rosto de Philippe. – Boa noite!

Ele saiu do salão a passos largos, seguido, poucos segundos depois, por Seldon.

– Precisavas de ter dito aquilo, Philippe? – criticou George. – Seldon era praticamente um jovem, quando cometeu aquela asneira.

– Ele ainda é um imbecil – resmungou Philippe, servindo-se de mais vinho.

George ergueu o cálice.

– Que tal um brinde às mulheres, em geral? – sugeriu.

Philippe ergueu o cálice e bebeu, colocando-o na mesa quando o barão DeGuerre se levantou. Os dois cavaleiros observaram, em silêncio, quando ele murmurou alguma coisa a Josephine de Chaney, cujo rosto não traiu emoção, e depois se encaminhou para as escadas e desapareceu de vista.

– Um de nós vai divertir-se, esta noite – balbuciou Philippe, com um olhar lascivo.

– Acho que também me vou levantar. Tu estás a ficar bêbedo, e a deixar de ser uma boa companhia.

Philippe bebeu um longo gole de vinho e observou, em silêncio, enquanto George se afastava. Não se importava com o que o outro pensava. Eram todos cobardes, curvando-se e arrastando-se diante do barão DeGuerre. Tampouco se importava com o que pensava o barão, reflectiu, bebendo mais alguns goles de vinho. O homem era mortal, como qualquer outro, e nem mesmo nascera em berço de ouro!

Por que é que as mulheres não viam isso? Por que é que sempre o ignoravam, ele que era um homem nobre, dotado de tantas qualidades, e só se engraçavam pelo barão? Os outros que pensassem o que quisessem, ele tinha a certeza de que era essa a intenção de Gabriella Fechette. Afinal, ela não passava de uma mulher. Uma mulher bonita, atraente, sem um parente do sexo masculino para a proteger. O que ele não daria para estar no lugar do barão, naquele momento!

Mas o barão que tivesse o trabalho de amansá-la. Ele, Philippe, podia esperar.

Batalha de amor - Uma dama para o cavaleiro

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