Читать книгу Desertos - Rui José Carvalho - Страница 11

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Dar passos em redor da deriva; olhar para cima sem que se reze. Saber que no deserto não existem cruzes, tão só a persistência do vento ecoando com as intempéries. Aguardar as tempestades de areia. Coabitar com as tempestades. Sentir a areia a pesar, deixar que o ar assim nos rasgue os pulmões.

Viver a vida como ela é, com a dor apertada junto ao pescoço.

Soluçar. Persistir no soluço.

Encarar as metástases como rios. Ser como os rios sangrentos onde me habito, os conjuntos de células vibrando-me por dentro das vísceras.

Aguardar a imergência dos organismos, o crescimento inflamando a divisão celular. Os ciclos de vida, o envelhecimento e a morte.

Perscrutar a matéria orgânica. Ser a intensa deriva da matéria. Ser a genética dos corpos, o processamento orgânico dos materiais até à anormal proliferação da divisão celular, um tumor anichado junto ao peito. A germinação cancerígena habitando a viagem linfática, sanguineamente percorrendo os vários órgãos.

A matéria, a inflamação da matéria, o inorgânico protelado no orgânico.

Ninguém jamais venceu a guerra contra o corpo, nem mesmo Jesus, cuja carne sucumbiu ao Martírio da Cruz.


Desertos

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