Читать книгу Desertos - Rui José Carvalho - Страница 15

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Jamais vi flores nascer ou vicejar, qualquer outra coisa que não o inabitado desalento. Ainda assim, alguns frutos adoçam o sabor desta derrota: os mortos escrevendo livros para que a vida nos sossegue; como loucos, mentindo tanto quanto possível. Mais ninguém se sentou neste colo a não ser eles, os loucos mortos que me visitam.

Assim me é o mundo desvelado. A rarefação do sentido no esforço da respiração. A inspiração e a expiração expiando o antro das coisas. Todas as derrotas dadas na breve vitória da criação.

Um dia, em tempos idos, a potência do mundo aqui foi dada em ato. O mistério das horas pareceu coisa pouca. Representáramos a presença do fogo a uma distância segura e assim sobrevivemos às queimaduras em nossas peles.

Aperfeiçoo agora a queda e o tempo da queda. Sou suspenso, entre o passado e o futuro. Gravito em torno de algumas memórias, coisas nunca acontecidas. Quando criança esperava que os fósforos me ardessem entre os dedos. Acho que já então previa a preciosidade do fogo, ardendo por entre as coisas. Tudo agora é tão perto que quase sempre me queimo. Antes não era nada assim. Havia uma distância que me separava dos objetos. Essa distância precavia meu corpo das queimaduras. Ardo-me agora tanto que sou quase em cinzas, uma ferida aberta por dentro da pele.

Ardendo-me.


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