Читать книгу Desertos - Rui José Carvalho - Страница 14

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Nasço-me nas palavras que me habitam para que nelas me julgue menos só. Contudo, jamais serei a salvo. Atolada nesta pele até aos ossos, a mentira é uma ferida que por dentro me mina.

Por dentro. Sou as feridas que me sangram.

Nunca fui são, verdadeiramente nunca o fui. Mesmo quando um dia acreditei que os meus passos me conduziriam a algum lugar.

Fui prestes na encarnação de personagens que não sou. Habitei as casas junto aos homens e nelas construí um império de derrotas.

Um dia acordarei com todas as coisas vibrando. Será esse o sinal de que não mais poderei vibrar.

Somos derrotados pela natureza das coisas.

Um dia acordarei com a vontade derrotada.

É inevitável.

É inevitável que assim seja, que os camiões cheguem para fazer a mudança.

Levarão tudo o que fui, todos os livros tragados na fúria, as jovens mulheres onde não mais me perderei.

Um dia será noite. Um dia será noite e a noite ficará.

A noite será íngreme e sem estrelas.

Restarei só.

Restarei só e serei doente, uma doentia mortalha por todos deixada ao abandono. Não restarão preces que mais não sejam estes ramos apontando ao céu.

Um último ato de coragem: sulcarei a terra até que os vendavais me sinalizem. Então, perante os vendavais, erguer-me-ei no dom do abandono.


Desertos

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