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VIA SARDEGNA, ROMA

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O palazzo era, frequentemente, confundido com uma embaixada ou um ministério governamental, pois era circundado por uma formidável vedação de aço e vigiado por diversas câmaras direcionadas para o exterior. No átrio, gotejava uma fonte barroca, mas a estátua de Plutão, uma estátua romana com dois mil anos que outrora adornara o vestíbulo, desaparecera. No seu lugar, encontrava-se a doutora Veronica Marchese, diretora do Museu Nacional Etrusco de Itália. Envergava um deslumbrante fato preto e um volumoso colar dourado ao pescoço. O seu cabelo escuro estava penteado a direito para trás e preso por um gancho na nuca. Uns óculos em forma de olho de gato conferiam-lhe um ar vagamente académico.

Sorrindo, beijou ambas as maçãs do rosto de Chiara. A Gabriel, ofereceu apenas a mão, reservadamente.

— Diretor Allon, estou tão satisfeita por ter conseguido vir. Só lamento não termos feito isto há mais tempo.

Quebrado o gelo, conduziu-os ao longo de uma galeria onde pendiam quadros de Velhos Mestres italianos, todos com qualidade de museu. As obras eram apenas uma pequena parte da coleção do seu falecido marido.

— Como podem ver, fiz algumas alterações desde a vossa última visita.

— Limpezas de primavera? — perguntou Gabriel.

Ela riu-se.

— Algo do género.

As requintadas estátuas gregas e romanas que, outrora, ladeavam a galeria tinham desaparecido. O império empresarial de Carlo Marchese, ilegítimo na sua grande maioria, incluíra um intenso comércio internacional de antiguidades roubadas. Um dos seus principais parceiros fora o Hezbollah, que fornecia a Carlo um fluxo constante de peças oriundas do Líbano, da Síria e do Iraque. Em troca, Carlo enchia os cofres do Hezbollah com moeda forte, que era usada para comprar armas e financiar o terrorismo. Gabriel desmantelara a rede. Depois, após uma notável descoberta arqueológica, cinquenta metros abaixo da superfície do Monte do Templo, derrubara Carlo.

— Alguns meses depois da morte do meu marido — explicou Veronica Marchese —, desfiz-me discretamente da sua coleção pessoal. Doei as peças etruscas ao meu museu, que era onde pertenciam desde o início. A maioria ainda está armazenada, mas já coloquei algumas em exposição pública. Escusado será dizer que as placas não referem a proveniência.

— E as restantes?

— O seu amigo, o general Ferrari, fez o favor de mas tirar das mãos. Foi muito discreto, o que não é habitual nele. O general gosta de publicidade positiva. — Olhou para Gabriel com genuína gratidão. — Suponho que tenha de lhe agradecer por isso. Caso se tivesse tornado público que o meu marido controlava o comércio global de antiguidades roubadas, seria o fim da minha carreira.

— Todos temos os nossos segredos.

— Sim — disse ela, de forma distante. — Presumo que seja verdade.

O outro segredo de Veronica Marchese aguardava na sala de visitas formal, envergando uma batina e uma peregrineta. A música tocava suavemente ao fundo. Era o Trio com Piano n.º 1 em Ré menor, de Mendelssohn. O som da paixão reprimida.

Donati abriu uma garrafa de prosecco e serviu quatro copos.

— Para padre, tens bastante jeito para isso — disse Gabriel.

— Sou arcebispo, lembras-te?

Donati levou um dos copos até à cadeira com estofo de brocado em que Veronica se instalara. Como observador experiente do comportamento humano, Gabriel sabia reconhecer um gesto íntimo quando via um. Donati estava claramente confortável na sala de visitas de Veronica. Não fosse pela batina e peregrineta, e um estranho poderia ter presumido que se tratava do homem do palazzo.

Sentou-se na cadeira ao lado dela e seguiu-se um silêncio desconfortável. Como alguém que aparece para jantar sem ser convidado, o passado intrometera-se entre eles. Por seu lado, Gabriel estava a pensar no último encontro com Veronica Marchese. Estavam na Capela Sistina, os dois sozinhos, de pé, diante do Juízo Final de Miguel Ângelo. Veronica estava a descrever a Gabriel a vida que esperava Donati, quando o Anel do Pescador fosse retirado do dedo de Pietro Lucchesi pela última vez. Um cargo de professor numa universidade pontifícia, um lar para padres envelhecidos. Tão sozinho. Tão terrivelmente triste e sozinho… Ocorreu a Gabriel que Veronica, viúva e disponível, talvez tivesse outros planos.

Ela elogiou demoradamente o vestido e as pérolas de Chiara. Depois, perguntou pelas crianças e por Veneza, antes de lamentar o estado em que Roma, outrora o centro do mundo civilizado, caíra. Atualmente, era uma obsessão nacional. Oitenta por cento das ruas da cidade estavam repletas de buracos por reparar, o que fazia de conduzir, e até de caminhar, uma missão altamente arriscada. As crianças levavam papel higiénico nas mochilas, porque as casas de banho das escolas não tinham. Os autocarros de Roma circulavam permanentemente atrasados, quando circulavam. Recentemente, uma escada rolante de uma estação de metro movimentada amputara o pé de um turista. E ainda havia, disse Veronica, os contentores de lixo a transbordar e os montes de resíduos não recolhidos. O site mais popular da cidade era o Roma Fa Schifo, «Roma É Nojenta».

— E quem é que é responsável por esta situação deplorável? Há alguns anos, o procurador-chefe de Roma descobriu que a Máfia tinha assumido o controlo do governo municipal e andava a desfalcar, de forma paulatina, os cofres da cidade. O contrato da recolha de lixo foi atribuído a uma empresa pertencente à Máfia. Evidentemente, a empresa não se deu ao trabalho de recolher o lixo, porque fazê-lo custaria dinheiro e reduziria a sua margem de lucro. Aconteceu o mesmo com a manutenção das ruas. Para quê incomodarem-se a reparar um buraco? Reparar buracos custa dinheiro. — Veronica abanou lentamente a cabeça. — A Máfia é a maldição de Itália. — Depois, com um olhar de soslaio para Gabriel, acrescentou: — E a minha também.

— Tudo vai melhorar, agora que o Saviano é primeiro-ministro.

Veronica fez uma careta.

— Será que não aprendemos nada com o passado?

— Pelos vistos, não.

Ela suspirou.

— Ele visitou o museu, recentemente. Foi perfeitamente encantador, como a maioria dos demagogos. É fácil perceber porque é que ele é apelativo para italianos que não vivem em palazzos perto da Via Veneto. — Pousou a mão sobre o braço de Donati, de forma breve. — Ou atrás das paredes do Vaticano. O Saviano odiava o Santo Padre pelo facto de ele defender os imigrantes e advertir sobre os perigos da ascensão da extrema-direita. Via isso como um ataque direto, orquestrado por esse esquerdista do secretário pessoal do Santo Padre.

— E era?

Antes de responder, Donati deu um gole pensativo no seu vinho.

— Na última vez que a extrema-direita tomou o poder em Itália e na Alemanha, a Igreja manteve-se em silêncio. Na verdade, houve elementos poderosos no seio da Cúria que apoiaram a ascensão do fascismo e do nacional-socialismo. Viram Mussolini e Hitler como bastiões contra o bolchevismo, que era abertamente hostil ao catolicismo. Eu e o Santo Padre decidimos que, desta vez, não iríamos cometer o mesmo erro.

— E, agora — disse Veronica Marchese —, o Santo Padre está morto e há um guarda suíço desaparecido. — Olhou para Gabriel. — O Luigi disse-me que aceitou procurá-lo.

Gabriel franziu o sobrolho para Donati, que estava, subitamente, a retirar um borboto da sua batina imaculada.

— Falei demais? — perguntou Veronica.

— Não. O arcebispo é que falou.

— Não se zangue com ele. A vida na gaiola dourada do Palácio Apostólico pode ser muito solitária. Muitas vezes, o arcebispo procura os meus conselhos sobre assuntos seculares. Como sabe, tenho relações privilegiadas nos círculos políticos e sociais de Roma. Uma mulher na minha posição ouve todo o tipo de coisas.

— Tais como?

— Rumores — respondeu ela.

— Que tipo de rumores?

— Sobre um guarda suíço jovem e bonito que foi visto numa discoteca gay com um padre da Cúria. Quando contei ao arcebispo, ele avisou-me de que as alegações não comprovadas podem causar danos irreparáveis na reputação de uma pessoa e aconselhou-me a não as difundir.

— O arcebispo deve saber o que diz — observou Gabriel. — Mas pergunto-me porque é que ele não referiu nada disso ao almoço desta tarde.

— Talvez tenha pensado que não era relevante.

— Ou talvez tenha pensado que eu iria ficar relutante em ajudá-lo, se achasse que ia ser envolvido num escândalo sexual do Vaticano.

O telefone de Gabriel voltou a vibrar contra o seu peito. Era uma mensagem da Avenida Rei Saul.

— Há algum problema? — perguntou Donati.

— Parece que a ficha do Janson foi apagada da rede informática da Guarda Suíça, umas horas depois da morte do Santo Padre. — Gabriel trocou um olhar de relance com Chiara, que estava a conter um sorriso. — Os meus colegas da Unidade 8200 estão a procurar no backup do sistema.

— Vão encontrar alguma coisa?

— Os ficheiros informáticos são um pouco como os pecados, Vossa Excelência.

— Como assim?

— Podem ser absolvidos, mas nunca desaparecem totalmente.

Jantaram na magnífica açoteia do palazzo, debaixo dos aquecedores a gás que aqueciam o ar frio da noite. Foi uma típica refeição romana, ravioli de espinafres com manteiga e sálvia, seguidos de vitela assada com verduras frescas. A conversa fluiu tão facilmente como as três garrafas de Brunello vintage que Veronica desenterrou da garrafeira de Carlo. Donati parecia completamente à vontade, na sua armadura clerical negra, com Veronica à sua direita e as luzes de Roma a cintilarem suavemente atrás de si. Podia estar degradada e imunda, e ser irremediavelmente corrupta, mas, vista do terraço de Veronica Marchese, com o ar puro, frio e perfumado pelo aroma dos cozinhados, parecia, aos olhos de Gabriel, a mais bela cidade do mundo.

O nome de Carlo nunca foi mencionado durante o jantar e não houve qualquer indício da violência e do escândalo que os uniam. Donati especulou sobre o resultado do conclave, mas evitou o assunto da morte de Lucchesi. Parecia, acima de tudo, estar atento a cada palavra que Veronica proferia. O afeto entre eles era dolorosamente óbvio. Donati estava a caminhar à beira de uma fenda alpina. Pelo menos para já, Deus estava a protegê-lo.

Só o telefone de Gabriel servia como recordatório do motivo pelo qual se tinham reunido naquela noite. Pouco depois das dez, estremeceu com uma atualização de Telavive. Os ciberdetetives da Unidade 8200 tinham conseguido recuperar a candidatura original de Niklaus Janson à Guarda Suíça. A atualização seguinte chegou às dez e meia, quando a Unidade encontrou a sua ficha de serviço completa. Estava escrita em alemão da Suíça, a língua oficial da Guarda. Continha uma referência aos dois recolheres obrigatórios violados, mas nada sobre uma relação sexual com um padre da Cúria.

— E o número de telemóvel? Tem de estar lá. Os guardas estão sempre de plantão.

— Paciência, Vossa Excelência.

A espera pela mensagem seguinte durou apenas dez minutos.

— Encontraram um antigo ficheiro de contactos que incluía o segundo-cabo Niklaus Janson. Contém um número de telemóvel e dois e-mails, uma conta do Vaticano e uma conta pessoal do Gmail.

— E agora? — perguntou Donati.

— Descobrimos onde está o telefone e se o Niklaus Janson ainda está na posse dele.

— E depois?

— Ligamos-lhe.

A Ordem

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