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À frente da clínica, Bonnie olha para a fotografia da cadela no seu telemóvel. Como sempre, a Whisper olha diretamente para o telemóvel e parece um pouco chateada. Um BMW prateado entra no estacionamento. Bonnie põe a mochila ao ombro e aproxima-se do carro com cautela. Entra, mas tem cuidado para não olhar para a mãe. Lynn não diz nada até abandonarem o estacionamento, mas Bonnie imagina o que a espera. A mãe tem os ombros em tensão. «Porque não me disseste?»

— Ia apanhar o autocarro, mas esqueci-me do passe.

— Não respondeste à minha pergunta. Porque não me disseste que estavas grávida? — pergunta Lynn, que pensava que Bonnie estava a ajustar-se bem à vida em Toronto e que só tinha de se preocupar com uma alergia leve ao zimbro da Virgínia que desenvolvera no ano anterior.

Bonnie encolhe os ombros. Foi uma intervenção fácil, mais simples do que pensava. É como se a tivessem raspado por dentro, mas as cãibras não foram mais dolorosas do que o normal.

— Pensava que conseguia lidar com isto, mais nada.

Lynn evita olhar para a filha quando diz:

— Pensavas que te julgaria. Por causa de tudo o que tive de fazer para te adotar.

Nenhuma das duas o diz, mas está no ar. Porque Lynn não podia ter filhos. Porque Bonnie é o resultado de uma agressão contra a mãe biológica. Porque Bonnie pôde escolher enquanto Nora não pôde. E tem alguém que a leve a casa da clínica depois da intervenção.

Lynn para o carro na berma da estrada. O clima estranhamente quente deste outono começa a ceder. Toronto está mais fresca agora, mas não o suficiente para que neve. A chuva salpica as janelas enquanto ambas olham para a frente, sem se atrever a olhar-se nos olhos. Põe a mão na de Bonnie e aperta-a com carinho.

— Eu nunca te julgaria, querida. Nunca. É o teu corpo, a tua decisão. Está bem?

— Sim, eu sei. Mas não queria falar disso. Podemos não contar ao papá?

— Porque haveríamos de o fazer? — pergunta Lynn. — Não lhe diz respeito.

— Obrigada, mamã — agradece Bonnie, mais aliviada. O pai continua em Vancouver e, provavelmente, continua a foder a chefe. Já não culpa os pais porque o seu casamento acabou — isso eram coisas de pirralhos —, mas isso não significa que esteja mais unida a eles. Sobretudo a Everett, que era o pai em quem mais confiava até, no ano anterior, descobrir que estava a ter uma aventura. Reagira exageradamente àquela notícia, de um modo espetacular. Fugira para ir conhecer o pai biológico, que fora um monstro. É um momento da sua vida em que tenta não pensar.

— Se acontecer alguma coisa, só quero que saibas que podes confiar em mim. É só isso. — Lynn volta a pôr o carro a trabalhar. — Tens fome?

— É demasiado tarde para comer. Só quero ir para a cama.

Lynn olha para ela pelo canto do olho enquanto conduzem para o seu apartamento no bairro artístico de Leslieville, mas não diz nada a modo de resposta.

Bonnie tem uma sensação de inquietação que nada tem a ver com a clínica ou com o vinho de antes. Isso foi um alívio, mais do que outra coisa. No verão passado, tinha visto o seu antigo namorado, Tommy, que agora queria que lhe chamassem Tom. Ambos sabiam que acabara, mas sentiam a falta um do outro. Bonnie não planeara ir para a cama com ele, mas não se arrependia. Simplesmente, não tinham tido tanto cuidado como antes.

Não, decide agora. Sente-se um pouco cansada, mais nada, mas não se arrepende do que aconteceu na clínica. O seu impulso de contactar Nora foi uma surpresa, mas o que a preocupa realmente é a resposta de Nora. Normalmente, demora a responder. Captar a Whisper com a iluminação correta e a olhar para a câmara não é uma tarefa fácil. Essa fotografia chegou muito mais depressa do que de costume, como se Nora estivesse à espera que lhe enviasse alguma coisa. Como se estivesse à espera e tivesse antecipado a resposta.

Enquanto voltam para casa, Bonnie não pode evitar questionar-se porquê.

Tudo se desmorona

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