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Ao longe, no espaço sideral, uma estrela chamada KIC 8462852 brilha por alguma razão desconhecida, enquanto na Terra, um ex-polícia, ex-agente de segurança, ex-marido e ex-jogador de bowling amador faz um ar de nojo ao pegar num copo de sumo de espinafre, com a esperança de que os seus órgãos internos prestem atenção ao esforço que está a fazer por eles.

Esta estrela em particular confundiu cientistas de todo o mundo com o seu brilho constante, enquanto Jon Brazuca se confunde a si próprio com a sua nova determinação de ser mais amável com o seu corpo. Herdou a baixa autoestima da mãe fraca e do pai de queixo afundado, que se desculpou durante toda a sua vida e até nos seus anos de reforma.

Mas Brazuca superou-o. Esse círculo humilhante de «lamento» e «peço desculpa» acabaria com ele.

Virou a página e misturou-a com um smoothie.

O sol do fim da tarde já está muito perto do horizonte e ele está cheio de clorofila e alegria. Brazuca sempre esteve mais desperto de noite, mais vivo e, agora, recorreu à astronomia para preencher os vazios. Não é um homem de ciência, mas desejaria ser. Uma vez, a mãe levou-o a Espanha quando era criança, às falésias de Famara e, juntos, observaram as estrelas refletidas nas poças de água da praia.

Ao pensar nisso, deseja uma época mais simples, quando as mulheres que satisfazia com tanta generosidade não o drogavam e o prendiam a uma cama, abandonando-o depois para ser descoberto pelas empregadas do hotel. E foi algo que realmente aconteceu há mais ou menos um ano. Nora Watts, a mulher com quem fora às reuniões dos Alcoólicos Anónimos, a mulher que perdera uma filha que nem sequer queria, a mulher que se sentia obrigado a ajudar sem nenhuma razão que tivesse sentido para ele… Abandonara-o, bêbado e drogado. Dera-lhe um coquetel de álcool e sedativos que o deixara a dormir e dera a pequena sacudidela ao seu corpo que desejava há tanto tempo.

E demorou meses a voltar a perder o vício.

Brazuca está no terraço do seu apartamento no leste de Vancouver e olha para o céu, em direção à estrela brilhante sobre a qual leu numa revista. Por um instante, sente uma certa afinidade com o universo. Acaba o sumo e arrota, satisfeito.

O seu amigo Bernard Lam pediu-lhe para o visitar e, pela primeira vez na sua vida, tem vontade de se dar com um multimilionário.

— Brazuca — diz Lam, à porta da sua mansão imponente em Point Grey. Se há uma crise imobiliária em Vancouver, pode ser porque grande parte do espaço está ocupado apenas por esta única propriedade. Tem uma ala este e uma ala oeste e cerca de vinte divisões pelo meio. Há campos de jogos exteriores para qualquer desporto e um campo de minigolfe. Se se cansar da piscina de água salgada, há outra de água doce do outro lado da propriedade.

Bernard Lam, o playboy filho de um empresário rico e filantropo, faz-lhe um gesto e Brazuca segue-o para o interior da moradia. O seu encanto famoso não está à vista. A sua atitude é áspera e taciturna enquanto o leva por um corredor comprido cheio de fotografias de família emolduradas na parede e fotografias mais recentes de Lam e da esposa, até chegar a um escritório.

— O que se passa? — pergunta Brazuca, assim que a porta se fecha atrás dele.

— Um instante. — Lam aproxima-se do seu portátil, situado na secretária. Junto dele, há uma garrafa de uísque escocês, mas não há fotografias. É uma zona livre de família. Vira o ecrã para ele.

— É linda — comenta, ao ver a mulher que aparece no computador de Lam. Na fotografia, usa um vestido de verão e está num iate, a rir-se para a máquina fotográfica. É alta e voluptuosa, com um cabelo escuro e lustroso e uns olhos brilhantes.

— Chamava-se Clementine. Era o amor da minha vida.

Não há sumo de espinafre que possa travar a dor de cabeça que Brazuca começa a sentir nas têmporas quando Lam usa o tempo passado. A mulher da fotografia não é a mulher que aparece nas paredes da sua casa. Portanto, o amor da sua vida não era a nova esposa.

— Quando?

— Encontraram-na na semana passada no seu apartamento. Dizem que foi uma overdose. Está… Estava grávida de quatro meses.

— Era teu? — pergunta Brazuca, tendo cuidado para manter um tom neutro.

Lam arqueia uma sobrancelha, como se não pudesse existir outra possibilidade.

Brazuca decide não insistir.

— O que precisas?

— Continuas a trabalhar para essa agência pequena de detetives privados? Dão-te dias de folga?

— Aceito contratos conforme precisam. São flexíveis. — Os seus novos chefes não são seletivos com o trabalho que escolhe, desde que trabalhe. Até o tinham convidado a tornar-se sócio de forma mais oficial, mas dissera que não a isso. Não quer algo oficial.

— Muito bem — diz Lam. — Muito bem. Quero que descubras quem é o traficante dela.

— Bernard…

— É claro, serás recompensado generosamente.

— Não é por causa do dinheiro.

— Então, fá-lo por um amigo. Fá-lo por mim. A minha rapariga e o meu filho morreram. Quero saber quem é o responsável.

Brazuca questiona-se se Lam sabe que, ao usar a palavra «rapariga», os desenhou com a mesma inocência idealizada.

— Não vais gostar do que vai sair daqui — avisa, com calma. — Não vai dar-te tranquilidade. — A morte por overdose é algo desagradável que tem de ser enfrentado. Não é fácil culpar alguém.

— Quem diz que quero tranquilidade? — Lam serve um golinho de uísque no copo e bebe. — Vou dar-te os papéis e os seus contactos. Não encontraram nada no telemóvel dela. A droga que tomou… — Desvia o olhar e ordena os pensamentos. — Era cocaína misturada com um opiáceo sintético novo que circula pelas ruas. Um derivado do fentanil mais potente do que se viu até agora e, de facto, mais forte do que o fentanil. Chama-se YLD Ten.

— Wild Ten? Ouvi falar dela. Não muito. Mas sei que se mexe por aí. — Era esse nome estúpido que chamava a sua atenção. Era fácil de recordar quando se faz um pedido ao traficante simpático do bairro.

— Então, deves saber como é perigosa. Tinha apenas vinte e cinco anos. Tinha toda a vida pela frente, Jon, e era uma vida comigo. Tenho de saber. Por favor.

— Está bem — acede Brazuca, passado um minuto. Porque não é o tipo de homem que consegue ignorar um grito de socorro. Não virou a página como gostaria de pensar. — Vou dar-lhe uma olhadela. Tens a chave do apartamento dela?

— É claro — confirma Lam. — O apartamento é uma propriedade minha.

— Claro — murmura Brazuca. — Vou tratar disso imediatamente. — Não é preciso dizer «senhor» porque está implícito. Bernard Lam, que lhe salvou a vida há vários anos, é alheio a essa indireta.

Tudo se desmorona

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