Читать книгу Tudo se desmorona - Sheena Kamal - Страница 7

1

Оглавление

Quando montaram as primeiras tendas para tratar os viciados que entravam e saíam como mortos vivos, pensei: Claro.

Quando os jornais começaram a publicar um artigo atrás de outro sobre o vício dos opiáceos que estava a invadir a cidade, pensei algo do género: Não me digam? Não vos escapa nada, meninos.

Contudo, quando a infraestrutura de saúde mental se obcecou com os zombies, tive de me queixar.

Ninguém se importou com a minha queixa.

Com todas estas pessoas viciadas nos viciados, onde é que os assassinos humildes da cidade podem ir procurar ajuda psicológica, questiono-me. Vimo-nos reduzidos a queixar-nos sobre o assunto nas nossas reuniões semanais. Não é que haja grupos de apoio a assassinos em Vancouver. Não quero que fiquem com uma ideia errada. As válvulas de escape alternativas para os homicidas da cidade têm muitas carências. Os terapeutas privados custam um olho da cara, para o dizer de alguma forma, e também não conseguimos encontrar grupos de discussão sobre o assunto na comunidade. O mais próximo que encontrei foi um para pessoas com transtornos alimentares, mas não acho que as pessoas que tenham feito coisas horríveis com o seu apetite consigam entender que matei uma pessoa ou duas no ano passado. Em defesa própria, mas mesmo assim.

Durante a minha vez, conformo-me com contar aos meus companheiros malucos que me sinto como se estivesse eclipsada pelos meus demónios e eles assentem como se me entendessem. Somos desconhecidos que conhecem os segredos mais profundos uns dos outros, unidos no círculo sagrado de uma sala de reuniões com manchas de urina na zona leste do centro de Vancouver. Levantam os seus braços anémicos para aplaudir com educação e, depois, saímos do círculo. Voltamos a ser desconhecidos, por sorte.

A sensação de que alguém me observa segue-me desde esse bairro pobre a leste de Vancouver que frequento até à casa elegante de Kitsilano em que, agora, ocupo espaço. Conduzo com as janelas fechadas porque o ar cheira a fumo dos incêndios florestais da costa norte de Vancouver, fumo que chegou até aqui em rajadas pestilentas e se instalou sobre a cidade. Não ajuda que estejamos a viver um desses outubros que não se lembra de que, em teoria, tem de existir uma temporada outonal e que esteja um calor quase insuportável para esta época do ano.

Enquanto conduzo, obceco-me com mais outra morte. Uma que ainda não teve lugar. Mas terá.

Em breve.

Tudo se desmorona

Подняться наверх