Читать книгу Tudo se desmorona - Sheena Kamal - Страница 18

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Brazuca observa do seu carro enquanto uma efígie frágil de Sebastian Crow percorre lentamente o parque com a Whisper aos seus pés. São quase dez da noite e são as únicas figuras à vista. Crow para num banco, apoia uma mão nas costas para se segurar e tosse contra a manga do seu casaco durante vários segundos. Depois, limpa a boca com o dorso da mão e regressam à casa que é do outro lado da rua.

Brazuca sente uma fúria inexplicável por Nora por o ter arrastado até ali. Não havia um passeador de cães? Devia ter passado a tarefa a Warsame que, como se tivesse tido um pressentimento, voltara a desaparecer, perdido em alguma missão. Crow demora um minuto inteiro a subir os degraus para a entrada da sua casa. A Whisper espera pacientemente até chegar ao patamar e, depois, sobe com ele.

Fica com a imagem de Crow apoiado no banco, dorido. Não consegue livrar-se dela até quase uma hora mais tarde, de pé à frente do restaurante exclusivo de Gastown que Priya tinha mencionado, a traficante de Clementine.

— Vais entrar ou quê? — pergunta uma mulher atrás dele. Veste-se como uma dançarina de cabaré, com caracóis enormes e uns sapatos de salto tão altos que tem os pés quase num ângulo de noventa graus.

Brazuca desvia-se para a deixar passar.

— Desculpe. — Mas ela nem sequer olha para ele ou demonstra tê-lo ouvido.

Dirige-se para o café vegan aberto vinte e quatro horas que há do outro lado da rua e senta-se numa mesa junto da janela com vista para a entrada e as janelas do Lala Lair.

Enquanto come algo chamado salada de sementes super power, mantém o olhar fixo na janela. Passada a meia-noite, um homem indonésio magro com calças feitas à medida e uma camisola de gola alta sai do Lala Lair. Tendo cuidado para se manter afastado da câmara que montaram por cima da entrada, acende um cigarro e faz uma chamada telefónica. Nas duas últimas noites, Brazuca viu aquele homem a fazer exatamente o mesmo. Ontem, no entanto, pediu um hambúrguer de quinoa em vez da salada super power e o estômago ainda não lhe perdoou.

Uma mulher com um vestido azul justo e uma mala brilhante senta-se à frente dele.

— Olá — cumprimenta, enquanto a parte da frente do vestido sobe.

Brazuca pestaneja. Demora uns segundos a reconhecer a irmã de Clementine.

— Grace, o que estás a fazer aqui?

— Oh, vim ao Lala Lair todas as noites desta semana. É um nome engraçado, não te parece? Lala Lair. Lalalair. Tenta dizê-lo três vezes seguidas. Gostas do meu vestido?

O vestido em questão é muito justo exceto na parte de cima e foi desenhado para alguém com seios grandes.

— Não é mau.

— Mentiroso. É horrível. Está sempre a cair, faça o que fizer. É da minha irmã — explica. Olha para baixo. — A mala também. Acho que vou ficar com ela. Enfim, o que estava a dizer? Ah, sim, a minha irmã. Tinha as mamas operadas, portanto, provavelmente não tinha de se preocupar com encher o vestido.

— Não devias estar ali — replica, apontando com a cabeça para o bar exclusivo do outro lado da rua.

— Bom e o que ia fazer? Ouvi-te a falar com essa ordinária no elevador. Sim, estava a ouvir atrás da porta. O que ia fazer? Ignorar a traficante? Mencionou o Lala Lair e supus que teria alguma coisa a ver com a Cecily. O que descobriste? E o que fazes neste café hippie em vez de estares do outro lado da rua?

— Um homem tem de comer — declara, num tom neutro. Grace não precisa de saber que já esteve lá, já farejou e tirou toda a informação possível sem chamar a atenção.

Entreolham-se. Por baixo das camadas de maquilhagem chamativa, aplicada sem muita experiência, Grace mostra uma expressão séria. Tira uma memória USB da mala e dá-lha.

— Tenho um amigo que trabalha em criminologia na Universidade de British Columbia que está a investigar os traficantes de droga para a sua tese. Deu-me material sobre a Wild Ten.

— Não lhe chames assim. Estás a idealizá-la.

— É o nome que recebe na rua — insiste. — O meu amigo diz que é relativamente nova, mas está a ficar na moda. Há uns laboratórios de drogas clandestinos na China que fabricam fentanil para contrabando. Também manipulam a estrutura química da droga e criam novas versões. Como a Wild Ten. É muito difícil regulá-lo.

Brazuca devolve-lhe a USB.

— Grace…

— Quero tanto saber o que aconteceu à minha irmã como tu. E não me pagam — comenta, sem saber que, com sarcasmos como aquele, ele é praticamente impenetrável. Todos têm de ganhar a vida. Nem todos podem ser urbanistas.

A empregada aproxima-se com a conta e Brazuca paga em dinheiro. Quando se vai embora, lança um olhar severo a Grace.

— Já sabes o que aconteceu à tua irmã. Tomou uma overdose e morreu. Fim da história. Não devias estar aqui nem do outro lado da rua. Vai para casa, Grace.

— Não me digas onde devia estar — murmura ela.

— Falo a sério. Não tens aulas ou uma coisa dessas?

— Fomos para a cama juntos, imbecil. Não podes falar comigo assim. Sou uma mulher adulta. Posso estar onde quiser. — Levanta-se da cadeira com torpor, põe a mala ao ombro e pragueja quando a alça se prende no cabelo. — Foda-se! — exclama, enquanto se dirige para a casa de banho para tentar desprendê-la.

Assim que desaparece, Brazuca abandona o café e atravessa a rua. Com o capuz posto, dirige-se para o beco, permitindo que o coxear o desequilibre. Apoia uma mão na parede de tijolo do beco de trás do Lala Lair e pragueja quando o fecho se prende e tenta soltá-lo.

Um BMW elegante para no beco e apanha um cliente que acaba de sair pela porta traseira do bar. Toca a buzina para que se afaste. Ele levanta um braço automaticamente para proteger a cara do brilho dos faróis e mostra o dedo ao condutor.

A janela do passageiro abre-se e o homem da camisola de gola alta tenta reparar bem em Brazuca, que tem a cara parcialmente coberta pelo capuz.

— Mexa-se.

— Sim, sim, um segundo, homem. — A voz de Brazuca sai rouca, o mais neutra possível. Afasta-se da parede e dirige-se para a rua, onde se esconde imediatamente entre as sombras de uma porta. Quando o carro entra na estrada, iluminado por uma luz do beco, vê-se a matrícula com clareza. Tira-lhe uma fotografia com o telemóvel. — Já te tenho — murmura, embora não haja ninguém ali para o ouvir.

Faz uma chamada para o mesmo número para o qual envia a fotografia. A voz que atende o telefone parece confusa e incomodada.

— Mas que merda? — murmura o detetive Christopher Lee, do Departamento da Polícia de Vancouver. — Sabes que alguns de nós têm trabalhos a sério para onde temos de ir de manhã?

— Também adoro ouvir a tua voz, querido. Preciso de um favor. Deves-mo.

— Deste-me uma dica em todo o tempo que passaste fora da polícia. Uma.

— Às vezes, só precisas de uma. Enviei-te uma matrícula. O motorista veio buscar o gerente do Lala Lair.

Há um silêncio breve enquanto Lee dá voltas àquela informação na sua cabeça.

— O Lala Lair, eh? Sim, ouvi alguns rumores quando estava na unidade de gangues.

— Descobre se continua a haver rumores.

— Desculpe, sua Majestade? Vais pagar a cerveja este fim de semana?

— Sim, está bem — acede Brazuca, que nunca se incomodou em dizer ao seu antigo colega que é alcoólico e que, à exceção de uma recaída recente, está sóbrio há dois anos. — Eu pago a cerveja. Deixo-te para continuares a tua cura de sono.

— Podes crer! — exclama Lee. — O facto de te teres deixado ir não significa que os outros tenham de fazer o mesmo.

Ajusta o capuz mais à cara quando dobra a esquina e vê uma mulher com um vestido que fica largo a tentar mandar parar um táxi. Não usa casaco e rodeia-se com os braços para se proteger do ar frio. Embora tenham tido um outono suave, não está tempo para deixar o casaco em casa. Mas é possível que não pense com clareza ultimamente. «Tenho de desligar», diz a Lee.

— Podias ter esperado até amanhã para esta merda.

— Estavas acordado de qualquer forma.

Ouve-se um clique do outro lado da linha quando Lee desliga o telefone. O táxi passa à frente da mulher sem parar. «Idiota!», grita. Quando vê que Brazuca se aproxima dela, vira-lhe as costas.

— Eh! — exclama ele. — Queres fazer-me sentir como uma puta?

Grace vira-se para olhar para ele e semicerra os olhos.

— Sabias que a prostituição não é uma brincadeira? Muitas pessoas ganham a vida assim. Não devias gozar com isso. — Di-lo sem se aperceber do facto de que foi ela que iniciou esse tipo de comentários, quando estavam no apartamento da irmã, pago pelo homem com quem Clementine ia para a cama.

— Quem está a gozar?

Grace encolhe os ombros.

— Desde que tenhamos as coisas claras — murmura. Então, dá-lhe uma mão, Brazuca suspeita que mais para manter o equilíbrio do que por outra coisa, e dirigem-se para o seu carro, que está estacionado no estacionamento do fundo do quarteirão. Grace dá-lhe indicações para chegar ao apartamento de English Bay. No elevador, enquanto sobem, abre-lhe o casaco e abraça-se a ele. Brazuca vê as mamas dela pelo decote do vestido, o que provavelmente é a sua intenção.

Percebe que conseguiria habituar-se a ser usado pelas mulheres em troca de sexo. E, pelo menos, ela é sincera. Mas, mesmo assim, não consegue entendê-la. Parece uma mulher demasiado sensata para permitir que a dor a embargue desta maneira. Parece que as pessoas se tornaram mais complicadas ou ele se tornou mais simples. Contudo, não entende como possa ter acontecido alguma das duas coisas sem um aviso prévio.

Tudo se desmorona

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