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III. A AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA NO SETOR DE AVIAÇÃO CIVIL

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Tendo posto de forma clara os contornos contemporâneos do instituto da autorização no Direito Administrativo Econômico brasileiro, passarei, no presente tópico, a explorar a autorização especialmente no setor de aviação, identificando como vem o instituto previsto na legislação aplicável, bem como se poderia ou não, de lege ferenda, haver uma autorização para a construção e operação de um aeroporto privado.

Preliminarmente, é imprescindível mencionar que farei um corte na análise do setor de aviação civil, eis que esse setor compreende duas grandes atividades: o transporte aéreo de passageiros e a exploração de infraestruturas aeroportuárias.

No que se refere ao transporte aéreo de passageiros, o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, estabelecem a possibilidade de outorga de concessões e autorizações. Contudo, há clara apartação de cabimento entre os institutos, cabendo apenas a concessão para o transporte aéreo regular de passageiros55 e a autorização para serviços privados de transporte aéreo privado (aviação executiva).

Já no que se refere à exploração de infraestruturas aeroportuárias, há um sistema dúplice no Código Brasileiro de Aeronáutica, dividindo-se os aeródromos entre públicos e particulares e se fixando o regime de outorga dos direitos de exploração de cada qual.

Nos termos do artigo 30 do Código Brasileiro de Aeronáutica, os aeródromos públicos são aqueles abertos ao público, sendo aeroportos os “aeródromos públicos, dotados de instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque e desembarque de pessoas e cargas”, conforme inciso I do artigo 31 do mesmo Código. Ainda, nos termos do § 1º do mesmo artigo 30, “aeródromos privados só poderão ser utilizados com permissão de seu proprietário, vedada a exploração comercial”.

Assim sendo, uma primeira diferenciação determinada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica consiste na finalidade atribuída aos aeródromos. Os públicos voltam-se ao uso geral por todos os interessados e os privados voltam-se apenas aos interesses de seu proprietário, não podendo ser objeto de exploração comercial.

Inobstante, os aeródromos públicos também são subdivididos entre si: há aeródromos públicos que podem receber qualquer espécie de serviço de aviação (comercial ou executivo) e há aeródromos públicos que somente podem receber serviço de aviação executiva, sendo vedados a esses últimos o recebimento de voos comerciais. O artigo 37 do Código Brasileiro de Aeronáutica determina que, nos aeródromos públicos, somente poderá haver restrições de uso por motivos operacionais ou de segurança.

A locução aeródromo público refere-se aos aeródromos que podem ser acessados por qualquer interessado, independentemente da aquiescência do respectivo proprietário. Contudo, não implica afirmar que todos os aeródromos públicos têm a capacidade de receber qualquer tipo de voo. Há a aeródromos públicos restritos a determinados tipos de serviço.

Ainda deve-se destacar que o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu artigo 31, inciso I, determina que aeroportos são: “aeródromos públicos, dotados de instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque e desembarque de pessoas e cargas”. Ou seja, apenas aeródromos públicos poderão ser considerados aeroportos.

Dessas considerações, há que anotar que o Código Brasileiro de Aeronáutica não pré-determina, necessariamente, qual é o regime jurídico de exploração de aeródromos públicos e, mais especificamente, dos aeroportos. É dizer, o diploma normativo em comento limita-se a apartar aeródromos públicos de privados e a especificar que os aeródromos públicos que atenderem a certos requisitos são considerados aeroportos. Não há qualquer elemento que estatua a obrigatoriedade ou a exclusividade do regime jurídico de serviço público na exploração de aeroportos.

Por conseguinte, é desde já importante assentar que nem todos os aeródromos públicos são infraestruturas de prestação de serviço público. É dizer: o fato de um aeródromo estar aberto à utilização de qualquer interessado não significa, per se, que se trata de um serviço público. A identificação de uma infraestrutura destinada à prestação de serviço público depende, pois, de outros elementos, como a incidência das obrigações de universalidade, modicidade tarifária e continuidade, existentes quando exploradas diretamente pelo Poder Público, como explicarei adiante, ou quando trasladadas de forma expressa ao particular operador da infraestrutura.

Mais além, o Código Brasileiro de Aeronáutica determina que nenhum aeródromo poderá ser construído e operado sem autorização prévia da autoridade aeronáutica (artigo 34, caput). Com isso, determina a lei setorial aplicável que não é permitida a entrada de agentes no respectivo mercado (seja público, seja privado) sem um título habilitante prévio.

Não há no Código Brasileiro de Aeronáutica especificação clara acerca de qual o título habilitante prestável para a construção e operação de aeródromos privados, apenas havendo a menção de que os “aeródromos privados serão construídos, mantidos e operados por seus proprietários, obedecidas as instruções, normas e planos da autoridade aeronáutica” no artigo 35 do diploma em análise.

Em sentido contrário, o Código Brasileiro de Aeronáutica define expressamente as formas de exploração de aeródromos públicos, sem descer, contudo, ao detalhamento dos contornos jurídicos de cada qual. Nesse sentido, dispõe o artigo 36 de tal norma (in verbis):

Art. 36. Os aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados:

I - diretamente, pela União;

II - por empresas especializadas da Administração Federal Indireta ou suas subsidiárias, vinculadas ao Ministério da Aeronáutica;

III - mediante convênio com os Estados ou Municípios;

IV - por concessão ou autorização.

Passarei a analisar cada uma das formas de exploração acima transcritas.

Em linhas muito gerais, as regras contidas no artigo 36 em evidência estão em plena compatibilidade com o disposto no artigo 21, inciso XII, “c”, da Constituição Federal, bem como com o artigo 175 também da Carta Maior. Isso, pois as formas de prestação e títulos habilitantes consagrados no dispositivo supratranscrito são exatamente aqueles determinados pelo Texto Constitucional, tanto para o caso de serviço público, quanto para os casos de atividades materialmente concorrentes exploradas no campo dos serviços públicos56.

A primeira forma de exploração vem prevista no inciso I do dispositivo ora em comento que determina que os aeródromos públicos poderão ser explorados diretamente pela União Federal. Aqui, claramente, está-se diante da qualificação da exploração de aeródromos públicos como serviço público, eis que somente no caso desse tipo de serviço público haveria o cabimento de exploração pela Administração Direta da União Federal57. Ademais, ao se referir a uma exploração direta pela União Federal, autoriza a lei em análise que haja atuação de órgão da Administração direta federal no caso.

A segunda forma é a possibilidade de atuação de empresa especializada da União Federal, diretamente ou por meio de subsidiárias. A hipótese aqui tratada é muito semelhante à dissertada no parágrafo precedente, pois também se trata de prestação direta de serviço público; a única distinção relevante consiste no fato de que no caso desse inciso II tem-se prestação direta e descentralizada, ao contrário da anterior que é direta e centralizada. Uma vez mais trata-se de serviço público, pois novamente tem-se uma intervenção obrigatória de ente estatal no domínio econômico.

A bem da verdade, a menção expressa a uma empresa estatal no artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica é, em certa medida inútil, pois é evidente que uma atividade definida – ao menos em parte – como serviço público pode ser explorada pela Administração direta ou pela Administração indireta (i.e., autarquia ou empresa estatal), não precisando haver previsão expressa em lei para tanto. Contudo, cumpre sublinhar que a hipótese tratada no inciso II é um desdobramento daquela versada no inciso I.

A terceira forma consiste na exploração de aeroportos por meio de convênios com Estado ou Município. Trata-se de caso em que a União Federal, detentora da competência para a atividade, delega-a a outros entes federativos, atuantes em regime de cooperação.

Sobre a possibilidade de exploração de aeródromos públicos por meio de convênio algumas notas de grande relevo fazem-se necessárias.

O primeiro ponto a ser destacado concerne ao conceito de convênio para os fins do inciso III do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, eis que o termo convênio é comumente utilizado para diferentes finalidades no Direito brasileiro. Utilizando a precisa definição apresentada por Odete Medauar:

convênio pode ser conceituado como o ajuste entre órgãos ou entidades do Poder Público ou entre estes e entidades privadas, visando à realização de projetos ou atividades de interesse comum, em regime de cooperação”58.

Mais adiante, a autora ainda especifica a existência de um convênio de delegação, o qual contempla a “transferência, de um nível federativo a outro, de atividades e serviços públicos suscetíveis de delegação, como acontece em matéria de administração e exploração de rodovias e portos federais”, bem como aeródromos públicos, completo eu59.

Nesse passo, parece-nos claro que o inciso III do artigo 36 ora em análise contempla a hipótese de convênio de delegação firmado entre União Federal e Estado ou Município, por meio do qual um desses últimos entes federativos será responsável por construir, operar e manter ou simplesmente operar e manter um determinado aeródromo público.

A clara afirmação de que por meio do convênio simplesmente transfere-se a exploração do aeródromo é de grande importância para assentar, sem dúvidas, que não há deslocamento de competência da União Federal para outro ente federativo. Há apenas a transferência da gestão determinada infraestrutura. A competência – e a respectiva iniciativa, por evidente – permanecem com a União Federal. O convênio é, nesta perspectiva, simplesmente a transferência do ônus da gestão da respectiva infraestrutura.

Por conseguinte, não cabe a Estados e Municípios tomarem a iniciativa de construção, operação e manutenção de aeródromos públicos. Essa iniciativa, em função da competência material assentada no artigo 21, inciso XII, alínea “c”, é privativa da União Federal, remanescendo apenas a possibilidade, conforme a conveniência e oportunidade das circunstâncias do caso concreto, de haver a delegação da operação e da gestão de determinada infraestrutura para outro ente federativo, sem, contudo, haver transferência ou renúncia de competência.

No mesmo diapasão, o segundo ponto a ser destacado concerne ao regime de exploração dos aeródromos públicos por Estados e Municípios. Em decorrência do exposto nos parágrafos precedentes, como o convênio de delegação ora tratado simplesmente transfere uma ação da União para Estado ou Município, o regime de exploração, por esses entes, será o regime de serviço público, pois que agem em nome e lugar da União Federal.

É dizer, ao receber, por convênio, atribuições atinentes a determinado aeródromo público, Estado ou Município atuam como se fossem a União Federal e, como a atuação direta (centralizada ou descentralizada) desta última sempre será no regime público, é evidente que os aeródromos explorados por Estados e Municípios seguirão o mesmo regime jurídico. Até porque não lhes é conferida competência para atuar de forma distinta da União Federal.

O terceiro e último ponto a ser destacado concerne à impossibilidade de delegação, “ex novo” de infraestruturas aeroportuárias por Estados e Municípios por sua própria decisão. Quero com isso dizer que não cabe a Estados e Municípios promoverem, por sua conta e por sua decisão, a delegação de novas infraestruturas aeroportuárias. Como o convênio de delegação simplesmente se presta a transferir determinada atividade de um ente federativo para outro, sem se prestar a transferir a respectiva competência, exsurge que somente a União poderá promover a delegação de determinada infraestrutura aeroportuária. Estados e Municípios somente poderão fazê-lo se o convênio firmado assim expressamente admitir.

Nesses quadrantes, em relação ao inciso III do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, é possível resumir que (i) há a possibilidade de simples delegação de atividade para Estados e Municípios, sem transferência da competência constitucionalmente alocada à União Federal, donde decorre que (ii) o regime de exploração é o mesmo aplicável à atuação direta da União Federal, ou seja, o regime de serviço público, e (iii) não cabe a Estados e Municípios promoverem, direta ou indiretamente, projetos de novos aeródromos. Somente poderão atuar nos estritos limites do respectivo convênio.

Por fim, vêm as hipóteses do inciso IV do artigo 36 ora analisado, quais sejam, concessão de serviço público e autorização. E aqui encontram-se os elementos mais importantes para o deslinde do tema tratado no presente trabalho, eis que é o ponto em que a assimetria de regimes é expressamente determinada por lei.

Como é notório, ao mencionar a concessão, o inciso IV do dispositivo ora analisado constitui a possibilidade de delegação da atividade aeroportuária à iniciativa privada. Diferentemente do que ocorre nas demais hipótese, nesta a exploração aeroportuária é realizada por terceiro, alheio à estrutura orgânica da Administração Pública.

Como é notório, a concessão implica a existência de um vínculo por meio do qual uma atividade de interesse público é delegada, pelo Estado, a um particular60. Essa atividade pode ser um serviço público em sentido estrito, uma obra pública, a exploração de um bem público ou qualquer outra atividade de interesse coletivo que incumba ao Estado assegurar.

Nesse passo, ao mencionar concessão dentre as formas de exploração descritas no artigo 36, não seria, em princípio, certa a natureza de serviço público inerente. Afinal de contas, o mesmo código expressamente classifica dos aeroportos como bens públicos federais (artigo 38, caput), o que poderia denotar que a concessão em discussão poderia ser uma concessão de bem público e não uma concessão de serviço público.

Essa assertiva não me parece, contudo, correta. Bem ao contrário. Parece-me completamente equivocada, pois, ao meu olhar, claramente o inciso IV do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, ao mencionar a concessão, faz referência à concessão de serviço público.

A razão para tanto repousa nas linhas precedentes, em que analisei os demais incisos do mesmo dispositivo. Isso ocorre, pois a análise conjunta do artigo 36 vertente, com os artigos 21, XII, “c”, e 175 da Constituição Federal deixa evidente que a atividade de exploração aeroportuária constitui um serviço público no sistema jurídico brasileiro. E o motivo para tanto é evidente e autoexplicativo: a atividade é posta sob o plexo de competências da União Federal, havendo expressa determinação, tanto constitucional, quanto legal, para que haja uma atuação direta do Poder Público federal no respectivo mercado, o que denota claramente a existência de uma obrigação estatal típica do serviço público.

Destarte, muito embora a existência do termo concessão pudesse ser compreendida como uma concessão a outra atividade que não necessariamente um serviço público, parece-me claro que se trata de uma referência à concessão de serviço público. Em suma: trata-se de hipótese em que há a criação de uma obrigação jurídica do Estado, que pode ser delegada para um particular, na satisfação do interesse coletivo.

Nesse passo, é evidente que o Código Brasileiro de Aeronáutica reconhece a atividade de exploração aeroportuária como um serviço público e determina que sua realização dar-se-á de forma direta –exploração direta pela União, descentralizada por empresa estatal ou descentralizada por convênio com Estado ou Município– ou indireta, por meio de concessão de serviço público.

Ocorre, contudo, que esta conclusão nem de longe deve (ou, até mesmo, pode) desaguar na ideia de que a atividade de exploração aeroportuária somente possa ser explorada no regime de serviço público. A razão para tanto consiste exatamente no que já demonstrei no tópico III deste trabalho, haja vista que serviço público não é sinônimo natural de monopólio. Ao contrário, considerar o serviço público um monopólio não apenas não é condizente com o quanto determinado pelo Texto Constitucional61, como ineficiente, eis que impede o aproveitamento de melhoras decorrentes do aproveitamento das potencialidades da livre iniciativa econômica e da livre concorrência62.

Pois bem. Ainda que o artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica simplesmente mencionasse a concessão como forma de exploração da atividade aeroportuária, não seria automática a interpretação de que referida atividade somente pode existir sujeita ao regime jurídico de serviço público, principalmente se considerado o disposto no artigo 21, XII, “c”, da Constituição Federal.

Porém, por fortuna, a situação é muito mais fácil de ser resolvida, haja vista que o próprio inciso IV do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica expressamente determina que a exploração de aeródromos públicos pode ser realizada por meio de autorização. É dizer, o próprio dispositivo ora em interpretação determina que a autorização é um título habilitante cabível para a atividade aeroportuária e, pois, admite a existência de uma dualidade de regimes.

Como deixei anotado no tópico precedente do presente trabalho, a previsão expressa de autorização dentre os títulos habilitantes do artigo 36 em testa revela, per se, que é possível a exploração da atividade fora do regime de serviço público. E o motivo é óbvio e já foi delineado de forma clara no mesmo tópico precedente: analisando-se o conteúdo do artigo 175 da Constituição Federal, tem-se que somente concessão e permissão são títulos habilitantes válidos para a delegação de atividades no regime de serviço público.

A autorização, repise-se, é instrumento de controle de entrada utilizado pelo Estado em setores demandantes de mais intensa regulação estatal que torna possível a exploração de determinada atividade em regime privado, fora do regime de serviço público, pois. Novamente reafirmando o quanto já disse nas páginas precedentes, quando há a convivência de autorização e concessão no mesmo setor, há a clara denotação da existência de concorrência com assimetria de regimes jurídicos.

Nesse passo, o Código Brasileiro de Aeronáutica expressamente permite a coexistência de regimes na exploração de aeródromos públicos, eis que determina haver a coexistência dos títulos habilitantes de concessão e autorização. O que se deve perquirir, a partir desta afirmação é qual seria a hipótese de cabimento de cada qual.

O primeiro ponto a ser afirmado consiste na definição da iniciativa de implantação de um projeto aeroportuário. Sendo a concessão cabível para os casos de prestação descentralizada e delegada de um serviço público, tem-se clara a iniciativa estatal do projeto concedido. Isso, pois a incidência do regime de serviço público avoca a iniciativa da atividade para o Estado, eis que este é obrigado a garantir o cumprimento de sua obrigação jurídica chamada serviço público.

Por outro lado, evidentemente, tem-se que os projetos sujeitos a autorização são projetos de iniciativa particular, ou seja, projetos que não nascem de uma ação estatal. Como a atividade autorizada é privada e sujeita a regulação estatal, a iniciativa de sua exploração é privada. Somente pode haver o condicionamento de uma atividade autorizada a uma iniciativa estatal nos casos em que houver a dependência de um bem público escasso para o desempenho da atividade63.

Nesse trilhar, extraindo-se do Código Brasileiro de Aeronáutica o seu significado jurídico mais preciso, tem-se que os projetos explorados em regime de concessão têm iniciativa pública e os projetos explorados em regime de autorização têm iniciativa privada, eis que não há uma barreira de entrada que possa ser limitativa e dependente de uma iniciativa estatal nesse mercado.

O segundo ponto relevante é que o Código Brasileiro de Aeronáutica não faz distinção quanto à finalidade do aeródromo público para fins de cabimento de autorização ou concessão. Como já sublinhei, esse diploma legal expressamente prevê a existência de aeródromos públicos e aeródromos privados. Caso a construção doutrinária de que a autorização apenas pode se prestar para empreendimentos autorizados no interesse exclusivo do autorizatário estivesse correta – o que já demonstrei não estar – e fosse aplicável ao setor aeroportuário, seria natural que a autorização somente coubesse para aeródromos privados e, portanto, somente fosse cabível a concessão para aeródromos públicos.

Contudo, como é claramente apreensível da redação do artigo 36 ora em análise, tanto concessão como autorização são aplicáveis para aeródromos públicos, ou seja, aeródromos voltados à utilização por qualquer interessado, independentemente da aquiescência dos respectivos proprietários. Portanto, parece-me evidente que, nos quadrantes da lei setorial (i.e., Código Brasileiro de Aeronáutica), é perfeitamente possível a concorrência com assimetria regulatória entre aeródromos operados em regime de serviço público por meio de concessões e aeródromos operados em regime privado por meio de autorização.

Dizendo com outras palavras, é equivocado afirmar que a lei (em sentido estrito) veda que haja aeródromos públicos operados por meio de autorização em regime de competição com aeródromos públicos operados por meio de concessão, ou diretamente pelo Poder Público (hipóteses arroladas nos incisos I a III do artigo em discussão). O simples fato de o Código Brasileiro de Aeronáutica contemplar concessão e autorização como títulos habilitantes de aeródromos públicos já é suficiente para atestar que a competição mencionada não apenas é permitida, como também é existente.

O que ocorre, contudo, é que pode haver (como, realmente, há), restrições quanto ao âmbito de materialização dessa competição. É dizer, que há competição é inegável. Entretanto, a abrangência dessa competição é que pode ser limitada por atos infralegais que, porventura, venha a complementar o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Essa constatação aparece de forma evidente no conteúdo do Decreto 7.781/2012, que regulamenta o regime de autorização para a exploração de aeródromos públicos. Nos termos de referido decreto, os aeródromos públicos explorados por meio de autorização somente podem ser voltados para serviços privados de aviação, excluindo-se, portanto, a possibilidade de recebimento de voos da aviação comercial (artigo 2º)64.

Assim é que, de lege lata, a concorrência entre aeródromos públicos operados no regime de serviço público (i.e., por meio de concessão ou diretamente pelo Poder Público) é limitada quanto ao respectivo mercado relevante, pois que somente pode existir em relação aos voos não operados no regime de serviço público. Portanto, é claro e evidente que há competição entre aeródromos concedidos e autorizados, mas essa competição somente se dá em relação aos voos não operados em regime de serviço público. Quando se tratar dos serviços públicos de transporte aéreo de passageiros, há uma reserva de mercado para os aeródromos públicos operados no regime de serviço público.

Nesse diapasão, é possível concluir-se que (i) é possível a construção e a exploração de um aeroporto privado no regime de autorização, com base em bens privados e com iniciativa exclusivamente privada, sem qualquer necessidade de iniciativa por parte do Poder Público, e (ii) a exploração de referido aeroporto em regime de autorização, segundo o regime atualmente vigente, impossibilita sua abertura para a aviação comercial, não lhe sendo possível, pois, oferecer os serviços de operação aeroportuária para qualquer voo operador no regime de serviço público.

Por conseguinte, no regime atualmente vigente do Código Brasileiro de Aeronáutica, a existência de aeroportos privados autorizados é possível e não encontra, nos lindes de referida lei, limitações. Contudo, em cotejo com o disposto no Decreto 7.871/2012, tem-se que o mercado relevante de atuação de tal aeroporto seria muito restrito, em comparação aos demais aeródromos públicos, já que somente poderia servir a receber voos de serviços privados de aviação.

Não obstante, o ponto mais relevante de tudo o quanto já exposto neste tópico reside no fato de que a Constituição Federal e a lei parlamentar não vedam a existência de aeródromos públicos explorados por autorização e concorrentes a outros aeródromos explorados no regime de serviço público. Muito ao contrário, aliás. O quanto já tive a oportunidade de expor em referência ao conteúdo do artigo 21, XII, da Constituição Federal, e do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica deixa evidente que essa competição não apenas é possível, quanto deve ser desejável em função das potencialidades que podem advir da livre iniciativa e da livre concorrência.

Apenas se poderia argumentar pela impossibilidade de competição entre aeródromos explorados por autorização e aeródromos explorados por concessão, caso os primeiros fossem um óbice a que os segundos cumprissem suas finalidades de serviço público65. Havendo, dentro do respectivo mercado relevante, capacidade para concorrência sem prejuízo às obrigações de serviço público, é perfeitamente possível que haja a competição mencionada.

Daí chego à conclusão clara de que, nos casos de mercados relevantes já devidamente atendidos a contento por infraestruturas sujeitas ao regime de serviço público, conforme seja demonstrada saturação em estudos técnicos pertinentes, não há qualquer óbice para que aeroportos privados entrem em regime de competição com os demais aeródromos públicos existentes operantes no regime de serviço público. E razão para tanto é muito simples: a entrada de uma infraestrutura competidora não porá em risco as finalidades de serviço público.

Muito ao contrário, aliás. Com a saturação do mercado, a existência de uma infraestrutura privada competidora estimulará a necessidade de busca pela eficiência e pelo aprimoramento na prestação dos respectivos serviços, com claros ganhos para os usuários. A manutenção de um regime restritivo à concorrência em um cenário de saturação de mercado é desencontrada dos interesses dos utentes, haja vista que preserva mercado inadvertidamente e inibe melhorias, inovações e busca pela eficiência.

Portanto, parece-me evidente que, dada a realidade dos serviços aeroportuários em regiões cujas infraestruturas sujeitas ao regime de serviço público estejam saturadas, é perfeitamente possível a alteração do regime do Decreto 7.781/2012 e a criação de um regime autorizatório capaz de inserir um aeroporto privado como infraestrutura competidora. Essa alteração, aliás, não apenas seria possível, como determinada pelo conteúdo da Ordem Econômica Constitucional.

Diante disso, parece-me fundamental, neste momento, dissertar sobre os contornos de uma nova autorização aeroportuária a ser criada de lege ferenda para permitir a implantação de aeroportos privados. Para tanto, dividirei a minha análise nos seguintes temas: (i) regime de outorga da nova autorização; (ii) regime de estabilidade da autorização; (iii) regime de encerramento da autorização; e (iv) regime normativo da autorização.

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