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IV. AEROPORTOS PRIVADOS E EXPLORAÇÃO DE MERCADO

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Sem qualquer prejuízo de qualquer das afirmações precedentes e em complemento a elas, parece-me imprescindível tecer breves comentários acerca da estrutura de mercado a ser implementada, caso um aeródromo público explorado por meio de autorização venha a ser destinado à aviação comercial, ademais da aviação privada.

Isso ocorre, pois há uma série de dúvidas que emergem da criação de novo regime jurídico de exploração de atividade regulada, como, por exemplo, o regime tarifário, o regime de bens e o regime de concorrência com os aeródromos públicos sujeitos ao regime de serviço público.

Ao que me parece, o ponto de partida dessa discussão encontra-se em uma premissa fundamental: a assimetria regulatória. Ou seja, todas as discussões que seguem têm que obedecer à premissa de que a inauguração do regime de autorização para a atividade aeroportuária ampla (englobando a aviação comercial, portanto) implicará a coexistência de dois regimes jurídicos distintos de exploração da atividade: o regime de serviço público e o regime privado, em clara competição.

Como já expus no tópico III deste trabalho, a assimetria regulatória não é qualquer novidade no Direito Público brasileiro, existindo nos setores de telecomunicações, energia elétrica, portos e transportes ferroviário e rodoviário. Significa, como já dito, a submissão a níveis distintos de regulação agentes que exploram atividades distintas. Trata-se, como se afigura evidente, de decorrência lógica do crivo da proporcionalidade.

Parece-me aqui, para deslinde da questão, claramente aplicável a teoria da complementariedade dos instrumentos regulatórios, muito bem formulada na doutrina de Christian Koenig e Winfried Rasbach, segundo a qual a proporcionalidade na intervenção no direito da livre iniciativa dos agentes econômicos se dá pela necessidade de dosimetria na intensidade do uso dos instrumentos regulatórios, buscando-se um equilíbrio. Segundo os autores:

a acumulação dos instrumentos consequente da complementariedade dos instrumentos regulatórios significa para o dever de efetividade dos direitos fundamentais que cada instrumento regulatório deve ser previamente mensurado: quanto mais intensamente um instrumento regulatório restringir os direitos fundamentais dos operadores de rede, mais estará a aplicabilidade dos demais instrumentos regulatórios sujeita à comprovação de compatibilidade com os direitos fundamentais88.

Assim, parece-me claro que deverá haver complementariedade e equilíbrio entre os instrumentos regulatórios existentes no setor regulado de aviação civil, estabelecendo-se balanceamento de direitos e obrigações entre as infraestruturas sujeitas ao regime de serviço público e aquelas sujeitas ao regime totalmente privada.

Nesse passo, se há intensa restrição do direito fundamental de livre iniciativa dos agentes sujeitos ao regime de serviço público, em função das obrigações que lhe são impostas e das finalidades que têm que alcançar, é-lhes também assegurada considerável proteção em sua atividade. Portanto, a restrição do direito de livre iniciativa decorrentes do controle tarifário, das obrigações de manutenção de determinados níveis de serviço e de continuidade e da estrita regulação incidente sobre a atividade é contrabalanceada pela garantia de patamares mínimos de remuneração (v.g., tarifa capaz de garantir o equilíbrio econômico-financeiro da operação), garantia de amortização do investimento realizado e, às vezes, certas posições vantajosas no mercado.

Em sentido contrário, os agentes que venham a atuar em regime de direito privado não terão as mesmas obrigações impostas aos agentes sujeitos ao regime de serviço público. Gozarão de liberdade tarifária, liberdade empresarial e sujeição a níveis inferiores de regulação. Contudo, gozarão também de menor nível de proteção e maior exposição a riscos do respectivo mercado, eis que não terão garantia de equilíbrio econômico-financeiro, não terão garantia de amortização de investimentos e não terão qualquer proteção de mercado.89

Nesse contexto, caberá à regulação setorial encontrar um equilíbrio entre as obrigações e os direitos assegurados aos aeródromos explorados em regime de serviço público e a liberdade de ação dos aeródromos explorados em regime privado de autorização. Haverá clara situação de concorrência entre eles, porém ao mesmo tempo em que o regime de serviço público poderá ser um óbice à competitividade, será ele uma garantia que a assegurará na disputa de mercado com agentes sujeitos ao regime de mercado.

Exatamente nesse sentido, aliás, já decidiu o Tribunal de Contas da União, como se pode extrair o seguinte trecho de acórdão exarado com relação ao setor portuário:

17. A questão é saber se a legislação poderia fazê-lo de maneira constitucional. Nesse sentido, parece-me irrelevante o percentual entre carga própria e de terceiros. Dito de outra forma: a modalidade de terminais portuários de uso misto seria inconstitucional, porquanto a carga de terceiros, qualquer que seja seu volume, caracterizaria serviço público, devendo ser prestada por concessionário escolhido em licitação pública? Não é o que leio na Constituição, pois não é pelo fato de figurar no art. 21 que os terminais portuários não se podem caracterizar como atividades econômicas, sujeitas às normas de direito privado. Nos TUPMs, os agentes econômicos contratam livremente a prestação de um serviço, em evidente relação de direito civil. Ao Estado fica o papel de regulador, permeando o econômico com os valores da justiça social (art. 170 da CF). Caso o legislador seja capaz de retirar o caráter de serviço público dos TUP e dos TUPM, dando-lhe características de atividade econômica, a solução de portos de uso privativo exclusivo ou misto será perfeitamente constitucional.90.

Ademais, como também já tive a oportunidade de expor, a competição entre infraestruturas no mercado dos serviços públicos somente poderá ocorrer na exata medida em que não haja prejuízo ao cumprimento das obrigações de serviço público. Nesse passo, pressupõe-se que somente poderão ser autorizadas novas infraestruturas em mercados já maduros, razão pela qual deverá o regulador reduzir a intensidade da regulação exercida sobre os prestadores de serviços públicos, de forma a torná-los mais capacitados para a competição, sem qualquer91 prejuízo aos usuários e seus direitos subjetivos.

Portanto, parece-me evidente que o funcionamento do mercado relevante aeroportuário, na hipótese de exploração com dualidade de regimes, dependerá de um equilíbrio entre as proteções e as obrigações inerentes ao regime de serviço público vis-à-vis a maior liberdade assegurada aos agentes privados autorizatários. Se, por um lado, certos agentes terão menos obrigações, terão, também, menos direitos, equilibrando-se a disputa.

Via de consequência, em contraste ao regime de serviço público, parece-me claro que aeródromos explorados sob o regime de autorização: (i) não terão qualquer sujeição a uma regulação tarifária, podendo atuar com absoluta liberdade de preços; (ii) não terão qualquer obrigação de serviço público, como níveis de serviço, continuidade, universalização e modicidade tarifária; (iii) não terão seus bens constituídos como bens públicos; e (iv) não terão qualquer direito subjetivo à amortização de seus investimentos durante a exploração de suas infraestruturas. Em contrapartida, estarão sujeitos a muito mais riscos, eis que não terão qualquer garantia de equilíbrio econômico-financeiro e nem qualquer garantia de amortização de investimentos.

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