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1. REGIME DE OUTORGA DA NOVA AUTORIZAÇÃO

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Como tive a oportunidade de dissertar no tópico III deste trabalho, o campo de aplicação das autorizações, nos quadrantes do inciso XII do artigo 21 da Constituição Federal, é demasiadamente diversificado. Por isso, não é possível estabelecer-se um padrão para o regime de outorga de autorizações para a exploração das atividades lá desenhadas.

Como regra geral, tem-se que a autorização é o ato que permite a realização de uma determinada atividade. Trata-se do efeito de legalização bem mencionado por Rolf Stober66, na medida em que o empreendimento da atividade é ilegal sem autorização. Por via de consequência, a autorização aplica-se a atividade de iniciativa privada, cujo exercício demanda uma aprovação prévia por parte do Estado.

Essa concepção geral poderia trazer à baila duas implicações obrigatórias: a outorga da autorização é sempre ato discricionário por parte da Administração e a autorização é outorgada sem qualquer forma de procedimento competitivo ou excludente.

Ambas as determinações, contudo, estão erradas.

Em primeiro lugar, porque a discricionariedade, entendida como livre e ilimitada (i.e., completa capacidade do administrador público de aferir a conveniência e oportunidade do caso concreto para determinar se outorga ou não a autorização), é violadora do Princípio da Livre Iniciativa. Como se pode claramente depreender do inciso XIII do artigo 5º e do parágrafo único do artigo 170, ambos da Constituição Federal, a livre iniciativa somente pode ser limitada por critérios muito objetivos, sempre proporcionais para garantir a realização de outros direitos fundamentais.

Portanto, pode haver casos de completa vinculação na concessão do ato autorizatório, nas hipóteses em que lei67 impuser um conjunto de condições que, cumpridas pelo particular, tornam obrigatória essa concessão. Da mesma forma que pode haver casos nos quais há alguma margem de discricionariedade atribuída ao administrador público, nas hipóteses em que há algum juízo subjetivo a ser exercido à luz do caso concreto.

Dependerá, em qualquer caso, das condições do respectivo mercado relevante e dos elementos de que depende o exercício da atividade autorizada. Nesse passo, se a autorização for demandada estritamente pela necessidade de verificação de condições subjetivas do autorizatário, sem qualquer limitação à quantidade de agentes no mercado, poderá haver completa vinculação na disciplina legal das condições de outorga da autorização, não remanescendo qualquer discricionariedade para o agente público.68

De outro bordo, se a autorização for demandada também porque o respectivo mercado não comporta número ilimitado de agentes, poderá haver processos seletivos que restrinjam o número de autorizações outorgadas. Referidos processos poderão, obviamente, ser mais ou menos restritos, conforme as condições do respectivo mercado, e poderão ser iniciados por iniciativa do Poder Público ou do próprio agente privado. Será de iniciativa do Poder Público sempre que a autorização demandar o acesso a um bem público restrito69 (p.ex., radiofrequência) será de iniciativa privada sempre que não houver a imperatividade legal de uma licitação.

No caso ora em análise, a autorização para a exploração de aeródromos públicos não depende, em regra, de uso de um bem público de acesso restrito70. Bem ao contrário, aliás, pois, dada a natureza privada do projeto, é de regra que seja ele construído apenas sobre bens e direitos privados. Assim, parece-me inconstitucional que a outorga de uma autorização para a exploração de um aeródromo público possa ser dependente de uma licitação pública de iniciativa estatal.

Inobstante, ainda à luz da natureza da atividade, é admissível que haja um processo seletivo, dado que há um elemento restritivo à oferta de infraestruturas aeroportuárias: o espaço aéreo. Nesse passo, tendo-se em conta que o espaço aéreo tem capacidade limitada para receber voos, poderá ser condicionada a outorga de uma autorização à existência de capacidade do espaço aéreo da localidade a ser atendida. Daí parecer-me fazer a sentido a possibilidade de instauração de um processo competitivo, quando houver projetos excludentes (e somente nesta hipótese).

Parece-me, aqui, cabível procedimento similar àquele existente na regulação do mercado portuário, nos termos da Lei Federal n.º 12.815, de 5 de junho de 2013. Em consonância com o quanto determinado por referida lei, uma vez solicitada autorização para a instalação de um terminal portuário privado, deverá a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) dar publicidade ao pleito e conduzir procedimento competitivo público para verificar a existência de projetos concorrentes (e, conforme o caso, excludentes). Caso haja mais de um projeto e não seja possível, por restrições de infraestruturas existentes (v.g., rodovias e ferrovias), realizar ambos, haverá um processo seletivo público. Caso, de outra forma, haja condições de realizar ambos os projetos pleiteados, haverá a outorga de autorização para todos71.

De forma muito resumida, portanto, no setor portuário a autorização aplicável para a construção de terminais privados é essencialmente privada, de iniciativa privada e regulamenta infraestruturas privadas materialmente concorrentes de infraestruturas prestadoras de serviços públicos (portos organizados e terminais públicos), porém, dadas as condições de mercado, pode envolver um processo competitivo seletivo público para sua outorga.

Considerando-se que pode não ser possível instalar tantas infraestruturas quantas desejadas em uma determinada região, portanto, nada há de ilegal ou inconstitucional a que o processo de outorga da autorização envolva um processo público de seleção. Basta apenas que haja critérios claros para definir qual será o projeto escolhido, bem assim quais os direitos são garantidos às partes participantes de um projeto deste jaez.

Destarte, parece-me evidente, considerando-se as restrições que existem no espaço aéreo de determinadas regiões, que a regulamentação pertinente poderá, mesmo no caso de projetos privados, de iniciativa privada, contemplar procedimentos competitivos de forma a selecionar o projeto mais viável. Apenas é fundamental que seja assegurada a isonomia de todos os que pleiteiam uma autorização, bem como que haja critérios de seleção claros.

O único ponto a ser ressaltado com relação ao quanto exposto nos parágrafos precedentes concerne aos direitos sobre o terreno onde se pretende construir um aeródromo público por autorização. Como já mencionado, um projeto privado parte (ou deve partir) da existência de direito real de uso72 da área onde será instalada a infraestrutura, dado que não se pode admitir pedido de autorização sem a precisa localização do projeto. E, com isso, coloca-se a pergunta acerca de como se considerar os direitos do particular sobre o terreno em relação ao qual se pleiteia a autorização vis-à-vis a possibilidade um processo competitivo de outorga.

A meu ver, a oferta de uma resposta a esta pergunta perpassa dois pontos fundamentais: (i) a necessidade de avaliação da área ofertada para a construção de um aeródromo público por autorização no contexto do projeto e (ii) impossibilidade de que terceiro que venha a entrar em processo competitivo possa se apropriar dos direitos reais do primeiro a pleitear a autorização.

Explico-me.

O primeiro ponto concerne à necessidade de sopesar, no processo competitivo de outorga de uma autorização para a construção de um aeródromo público, as qualidades da área apresentada pelo particular interessado, notadamente no que se refere a acessibilidade, distância da área urbana a ser servida etc. Isso dá-se por razões óbvias: de nada adianta a autorização para a construção de aeródromo público em local inacessível ou inservível para o centro urbano a que se destina. Portanto, se houver dois projetos concorrentes em um processo competitivo público hão que ser sopesadas e avaliadas as condições específicas de cada qual, considerando-se suas vantagens e desvantagens de forma estritamente fundamentada.

Já o segundo ponto se refere a algo inerente e fundamental à garantia da livre iniciativa e da livre concorrência. Sendo a autorização consubstanciada para assegurar o exercício do direito de livre iniciativa em setores regulados, não se pode tratar projetos autorizados como se público fossem. É fundamental respeitar-se, estritamente, os cânones da livre iniciativa e da livre concorrência, de forma a proteger a propriedade privada, a estratégia empresarial e os segredos de indústria. Nesse passo, ao se apresentar pleito de outorga de autorização para a construção de aeródromo privado com base em direitos reais privativos de uso de um certo terreno, parece-me mais do que evidente que esses direitos serão exclusivos do pleiteante, não podendo ser transferidos, em hipótese alguma, para eventual concorrente.

Repetindo-se a ideia com outras palavras, tem-se que a apresentação de um pleito para a obtenção de uma autorização para a implantação e operação de aeródromo público materialmente concorrente àqueles explorados sob o regime de serviço público garante ao pleiteante completa exclusividade sobre todos os direitos inerentes a seu projeto. Como resultado, é completamente impensável o manejo de qualquer instrumento autoritário por parte do Estado com vistas à desapropriação de qualquer direito inerente ao projeto apresentado, de forma que nem se poderá transferir os direitos inerentes ao terreno para um terceiro e nem constituir sobre esse terreno bem público para a implantação de aeródromo atuante no regime de serviço público. Trata-se de simples observância das estruturas mais básicas dos direitos fundamentais da livre iniciativa e da livre concorrência.

Daí exsurge a ideia, a mim claríssima, de que a outorga de uma autorização para a implantação de um aeródromo público deve advir de iniciativa privada, baseado em projeto exclusivamente privado, em condições muito semelhantes àquelas já tratadas no Decreto 7.781/2012. O único ponto diferente a ser sublinhado concerne à possibilidade de instauração de procedimentos competitivos públicos, pois a nova autorização de que aqui trato pressupõe maior concorrência (dado o aumento de escopo do respectivo mercado relevante) e, portanto, poderá redundar em casos de projetos excludentes à luz das condições do próprio mercado, que inadmitem tantas infraestruturas quantas desejadas. Em qualquer caso, na hipótese de um tal processo público, deverão ser garantidos os direitos de isonomia, livre iniciativa e livre concorrência.

O ato de autorização, destarte, teria uma certa carga discricionária consistente na capacidade que a Administração Pública tem de avaliar, diante das circunstâncias do caso concreto, o cabimento e a pertinência de implantação e operação de nova infraestrutura aeroportuária. Contudo, sendo cabível a infraestrutura73, à luz das condições do respectivo mercado, a autorização deverá ser outorgada. Nesta hipótese, é possível processo público de seleção, haja vista que o respectivo mercado relevante não comporta número indeterminado de entrantes.

Por derradeiro, ainda não pode passar sem menção o mecanismo de formalização do ato administrativo de autorização. Tradicionalmente, como já mencionado no tópico III deste trabalho, no entendimento da doutrina, a autorização é ato unilateral, devendo ser formalizada por ato exclusivo e privativo da Administração Pública. Contudo, como expus, esse entendimento está claramente ultrapassado, razão pela qual é de se perquirir como formalizar uma autorização.

A meu ver, não há uma regra pré-determinada para a formalização do ato e poderá haver a eleição por ato unilateral ou bilateral, sem prejuízo de conteúdo.

Explico-me.

Ao que me parece, a formalização unilateral ou bilateral é indiferente porque o relevante é o conjunto de efeitos decorrentes do ato. Como consequência, se o ato estiver de acordo com a finalidade a que se busca e tiver condições específicas de preservação e estabilidade, nada há a se questionar. E fundamento meu posicionamento em dois elementos basilares, a saber:

Em primeiro lugar, seguindo os ensinamentos de Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, há muitos casos em que mesmo atos unilaterais são construídos de forma bilateral, com intensa participação do particular e, portanto, com plena consideração de sua posição subjetiva. Nesse trilhar, mesmo atos unilaterais têm características bilaterais e geram efeitos protetivos das situações subjetivas do particular destinatário74. É precisamente o caso ora analisado, eis que o ato de autorização nascerá de iniciativa do particular e será realizado conforme seus ideais de exploração de negócio, de forma que, mesmo que seja promanado de forma unilateral, tem claro conteúdo bilateral.

Em segundo lugar, o conteúdo do ato administrativo de autorização é mais relevante do que sua forma de expedição. Portanto, o relevante é que sejam disciplinadas as condições de exploração da infraestrutura, os direitos das partes, o relacionamento no mercado etc. Se isso será realizado por ato unilateral ou bilateral, parece-me indiferente. Novamente, valendo-me das lições do mesmo autor, o relevante é a relação jurídica e não a forma de edição do ato75.

Assim, para concluir a análise do regime de outorga da autorização ora dissertada, parece-me claro que poderá haver ato unilateral, ou ato bilateral, conforme venha a ser escolhido no diploma jurídico criador e disciplinador do ato em causa.

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