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5.1. Caminho à Regulação atual

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O Código das Sociedades Comerciais de 1986 (CSC), instituído pelo Decreto-Lei n.° 262/86, de 2 de setembro, embora revogando expressamente o DL 49.381 de 1969, manteve a sua disciplina no que toca à responsabilidade dos administradores, mas introduziu algumas alterações.

O texto original tratou a matéria no artigo 64.° do CSC, o qual dispunha:

Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A versão original do CSC de 1986, portanto, manteve o critério da diligência do gestor criterioso e ordenado do DL 49381/69, no entanto, com algumas alterações substanciais de aprimoramento. Neste detalhe, o avanço da norma deve-se aos seguintes elementos incorporados: «no interesse da sociedade», «tendo em conta o interesse dos sócios e dos trabalhadores».

A regulação atual do CSC, no tocante ao regime jurídico da responsabilidade dos administradores, deve-se à reforma de 2006, que atualizou o artigo 64.° do Código, visando, segundo o preâmbulo do DL 76-A/2006, de 29 de março, fixar um núcleo mínimo de deveres dos administradores e densificá-los, em prol de uma maior transparência das SA’s portuguesas.

A norma atual do artigo 64.° do CSC prescreve o seguinte:

1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.

2. Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.

Na prática, porém, tais preceitos resultaram bastante complexos, agregando elementos tradicionais, como o critério de diligência; elementos alemães, como o dever de lealdade; elementos europeus, como a referência aos diversos interesses; elementos anglo-saxónicos, como a menção ao dever de cuidado, contraposto à lealdade; e ainda um pano de fundo ligado ao corporate governance32.

4. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lisboa: LEX, 1997, p. 187, citando Coelho da Rocha, Instituições, 2.° Vol. 8.ª ed., § 861.

5. Cumpre dar uma ideia sobre a constituição das Companhias. O Marquês de Pombal consagrou iniciativas bastante institucionalizadas, como a experiência exemplar da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, cujos capítulos e condições foram confirmados por alvará de 7 de junho de 1755. Cita-se ipicis literis: «Os homens de negócio da Praça de Lisboa, abaixo assinados, em seu nome, e dos mais Vassallos de V. Magestade, moradores neste Reino, sendo dirigidos pela representação, que a V. Magestade fizeraõ os habitantes da Capitanía do Grão Pará (…) e animados pela esperança de fazerem hum grande serviço a Deus, a V. Magestade, ao bem commum, e à conservação daquelle Estado: tem convindo em formarem para elle huma nova Companhia, que, cultivando o seu commercio, fertilize ao mesmo tempo por este próprio meio a agricultura, e a povoação que nelle se achaõ em tanta decadência: Havendo V. Magestade por bem sustentar a dita Companhia com a confirmação, e concessão dos estabelecimentos, e privilégios seguintes».

Os estatutos ocupavam-se, da “administração”. Assim:

1. «A dita Companhia constituirá hum corpo político composto de hum Provedor, de oito Deputados, e de hum Secretario: a saber oito Homens de Negocio da Praça de Lisboa, e hum Artifice da Casa dos Vinte e quatro (…) 2. O sobredito Provedor, e os Deputados serão commerciantes Vassallos de V. Magestade, naturaes ou naturalizados; moradores nesta Corte, que tenhaõ dez milcruzados de interesse na dita Companhia». Vide Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 189-190.

6. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 196, citando Diogo Ratton (1821) que expressa: «Por ser logo de muita urgência o termos hum Codigo mercantil; e para naõ haver demora, nem se perder tempo em elle se realizar, lembro ao Soberano Congresso o adoptar aquelle, que hoje He conhecido por melhor, qual He o que se acha em pratica em França, alli estabelecido por Napoleon».

7. «José Ferreira Borges, a quem a liberdade tanto devera, prestou tambem ao commercio, que andou sempre germanado com Ella, o altissimo serviço de o desembaraçar d’aquella intrincada e confusa legislação, nada consentanea com a simplicidade e a rapidez das questões mercantis. O odio ao despotismo, implantado em Portugal, levara-o para Inglaterra, já então o centro mercantil do universo; e ahi, n’esse meio propicio, aproveitou Ferreira Borges o exilio, lidando em prol do commercio, ligado atravez da historia n’uma conjuncção intima com a liberdade, que elle tanto amou». Cfr. Azevedo e Silva, J. F. Commentario ao novo Codigo Commercial Portuguez, Lisboa: Typographia Nacional, vol. 1, 1888, p. 90-91.

8. Segundo o próprio Ferreira Borges, in: Borges, José Ferreira. Codigo Commercial Portuguez, Porto: Typographia Commercial Portuense, 1833, na exposição introdutória do Código “A Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro, Duque de Bragança”. O Código foi aprovado por Decreto de 18.09.1933, para vigorar a partir de 14.01.1834.

9. A respeito da evolução histórica do direito comercial e da transição das normas consuetudinárias para as normas escritas e posteriormente codificadas, vide notável estudo de Azevedo e Silva, publicado em 1888. Cfr. Azevedo e Silva, J. F. Commentario ao novo Codigo Commercial Portuguez, ob. cit., p. 57-76.

10. Código Commercial Portuguez, Typographia Commercial Portuense: Largo de S. João Novo, Porto, 1833, p. 111. É importante destacar que a nomenclatura companhia seguiu a tradição jurídica portuguesa das companhias coloniais, e Ferreira Borges a adotou no Código em substituição às sociedades anónimas, termo, aliás, que já havia sido utilizado em 1673 (no título 4 da Ordenança) para exprimir a sociedade em participação, semelhante às comanditas. Vide Cordeiro, António Menezes. Da responsabilidade civil dos administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 201. A Ordenança de 1673 refere-se à Ordenança francesa sobre o comercio de terra, que juntamente com a Ordenança de 1681 sobre a marinha, foram as fontes do código comercial francês (Code de Commerce de 1807). Vide Azevedo e Silva, J. F. Commentario ao novo Codigo Commercial Portuguez, ob. cit., p. 61.

11. Código Commercial Portuguez, (1833), ob. cit., p. 111.

12. Código Commercial Portuguez, (1833), ob. cit., p. 112. Consultado também na edição de 1836, Código Commercial Portuguez, Porto: Typographia Commercial Portuense, (470 p.).

13. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Da responsabilidade civil dos administradores, ob. cit., p. 203.

14. No mesmo sentido, a doutrina oitocentista de Azevedo e Silva afirma tal posicionamento: «A accumulação, n’um só corpo legal, do direito substantivo e adjectivo; a grande parte usurpada por disposições meramente civis; a abundancia de definições, que por vezes lhe imprimem mais a feição doutrinal d’um compendio do que a fórma imperativa d’uma lei: – são outros tantos senões que o critico desapaixonado tem de reconhecer e de censurar». Cfr. Azevedo e Silva, J. F. Commentario ao novo Codigo Commercial Portuguez, ob. cit., p. 92.

15. Cfr. Costa, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português, 3.ª ed., 7.ª reimp., Almedina, Coimbra, 2005, p. 424.

16. Embora já constassem as primeiras raízes de um sistema de vinculação à lei, não houve à época, uma concretização jurisprudencial ou doutrinária das potencialidades representadas por estes preceitos. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 210.

17. O Código Comercial de 1888 é conhecido por Código Veiga Beirão, devendo-se ao facto do Ministro da Justiça, Sr. Francisco António da Veiga Beirão, que em face do insucesso das tentativas de comissões nomeadas (a partir de 1859) de rever o Código Ferreira Borges, convenceu-se de adotar diversas providências isoladas sobre algumas matérias em que havia necessidade de reforma mais urgente. Resolveu, portanto, organizar por si um projeto de código comercial, pedindo particularmente a pessoas competentes a sua colaboração de forma separada e no fim concatenou os trabalho num novo código. Cfr. Coelho, José Gabriel Pinto. Direito Commercial Portuguez, Coimbra: F. França Amado Editor, 1914, p. 12-13.

18. Importa sublinhar que, no Direito Comercial clássico, o direito consuetudinário desde tempos remotos foi fonte de obrigação nas relações mercantis. A liberdade contratual, portanto, embora pautada no costume, era ampla. Com a redução a escrito dos contratos, iniciam-se os primeiros passos para a sistematização das obrigações. Eduardo Saldanha, em 1896, num comentário sobre a importância do direito consuetudinário nas normas do Direito Comercial explicitava: «O direito commercial é iminentemente consuetudinario, visto que as leis commerciaes nada mais são que a consagração legal dos usos mercantis, que na genese do direito commercial desempenharam um funcção capital: prohibir, portanto, os usos commerciaes como direito subsidiario é estancar a fonte mais viva e copiosa da commercialidade». Vide, Saldanha, Eduardo. Estudos sobre o Direito Commercial Portuguez, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1896, Capítulo I, p. 2-3.

19. Vide Azevedo e Silva, J. F. Commentario ao novo Codigo Commercial Portuguez, ob. cit., p. 130.

20. Cfr. Codigo Commercial – Aprovado por Carta de Lei de 28 de junho de 1888 e seu Repertorio Alphabetico, Porto: Livraria Cruz Coutinho Editora, 1888, p. 30.

21. Na jurisprudência, a primeira questão encontrada, que envolveu a responsabilidade dos administradores, foi sob a vigência do Código Veiga Beirão, solucionada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 12 de março de 1892. Seguintes factos:

“Foram depositadas, no Banco Lusitano, 2.565 obrigações de 4 ½, do Governo, pertencentes à Caixa de Reformas e Pensões dos Empregados da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, para serem guardadas na caixa forte do Banco. Verificou-se, porém, que o Marquês da Foz negociou, junto do Montepio, um empréstimo de 150.000$000 Réis, dando como caução as 2.565 obrigações”.

O Tribunal da Relação considerou haver responsabilidade, por parte dos diretores do Banco, nos termos do artigo 173.° do Código Comercial. RLx 12 de março, 1892 (Pereira de Carvalho). Cfr. Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 236.

22. O artigo 172.° refere sobre a eleição dos directores, e no seu § 1.° está composto expressamente a celebração do contrato de mandato: «§1.° Os estatutos determinarão se, findo o praso do mandato, poderá haver reeleição, e, não o determinando, entender-se-ha esta prohibida». Cfr. Codigo Commercial – Aprovado por Carta de Lei de 28 de junho de 1888 e seu Repertorio Alphabetico, ob. cit., p. 30.

23. «§ 1.° – D’esta responsabilidade são isentos os directores que não tiverem tomado parte na respectiva resolução, ou tiverem protestado contra as deliberações da maioria antes de lhes ser exigida a competente responsabilidade. § 2.° – Os directores de qualquer sociedade anonyma não podem fazer por conta da sociedade operações alheias ao seu objecto ou fim, sendo os factos contrarios a este preceito considerados violação expressa do mandato. § 3.° – É expressamente prohibido aos directores d’estas sociedades negociar por conta propria, directa ou indirectamente, com a sociedade, cuja gerencia lhes estiver confiada. § 4.° – Os directores de qualquer sociedade anonyma não poderão exercer pessoalmente commercio ou industria iguaes aos da sociedade, salvos os casos de especial auctorisação concedida expressamente em assembléa geral». Cfr. Codigo Commercial – Aprovado por Carta de Lei de 28 de junho de 1888 e seu Repertorio Alphabetico, ob. cit., p. 30.

24. Cfr. Schimidt, H.C. Karsten. “La reforma alemana: las KonTraG y Trans PuG de 1998 y 2002, y el Código Cromme”, in: RdS n.° 22, año 2004-1, p. 20. O Autor esclarece, na tradução espanhola: «El Derecho alemán de sociedades de capital se basa en una estricta separación entre la Sociedad Anónima (AG) y la Sociedad de Responsabilidad Limitada (GmbH). La Sociedad Anónima es hija natural de la revolución industrial, encontrándose legalmente regulada para toda Alemania desde 1861 (Código alemão geral do Comércio – Allgemeneines Deutsches Handelsgesetzbuch, ADHGB). La Sociedad de Responsabilidad Limitada es un bebé producto de una fecundación “in vitro” del legislador y servía en cierto modo de hermana pequeña de la Sociedad Anónima, tipo social pensado para las grandes empresas». Karsten Schimidt salienta que a evolução jurídica do direito de Sociedades de Responsabilidade Limitada (por quotas) estava maioritariamente nas mãos dos tribunais, enquanto que a evolução das normas do direito das Sociedades anónimas modificavam-se legislativamente, a exemplo da Reforma do Direito de Sociedades (Aktienrechtsnovelle) de 18-07-1884, o Código Comercial (Handelsgesetzbuch) de 1897, o Decreto-lei de urgência (Notverordnung) de 1931 e a Lei de sociedades Anónimas (Aktiengesetz) de 1937. A propósito da criação da GmbH de 1892, vide estudo contido na obra de Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 137-142.

25. De acordo com o registro de Domingues, Paulo de Tarso. Variações sobre o capital social, Teses de Doutoramento, Coimbra: Almedina, 2010, p. 30, nota 48. No entanto, Mario Júlio de Almeida Costa, na obra História do Direito Português, ob. cit., p. 425, sem fornecer dados consistentes, considera que «apenas a Áustria se antecipou ao nosso país na importação deste tipo societário do direito alemão». Paulo de Tarso Domingues, na retro citada obra, menciona Gian Carlo M. Rivolta referindo que o Autor italiano entende que o tipo social de responsabilidade limitada não foi criado originariamente pelo legislador alemão; refere que o tipo das características da Sociedade por Quotas teria sido legislativamente consagrado, pela primeira vez, no Company Act britânico de 1856, recebendo, embora, uma designação absolutamente distinta daquela que virá a receber no direito continental: trata-se da figura da private company. Contudo, Paulo de Tarso Domingues sublinha que «a verdade, no entanto, é que – apesar de a private company ser, tal como a GmbH, um tipo de sociedade “fechada” – o tipo social “fecundado in vitro” pelo legislador alemão tem características que se afastam de forma decisiva das da private company (que é, pode dizer-se, uma derivação da public company)».

26. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, ob. cit., p. 137, citando G. Hueck.

27. Cfr. Ramos. Maria Elisabete Gomes. O seguro de responsabilidade civil dos administradores – entre a exposição do risco e a delimitação da cobertura (teses de doutoramento), Coimbra: Almedina, 2010, p. 78-82.

28. Cfr. Ramos, Maria Elisabete Gomes. Responsabilidade civil dos administradores e directores de sociedades anónimas perante credores sociais, Stvdia Ivridica n.° 67, Universidade de Coimbra: Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 11.

29. No artigo 17.°, n.° 1, do DL 49.381, de 15-nov.-1969 – cuja norma foi inspirada por Raúl Ventura na base do § 93/I, da AktG alemã (lei sobre sociedades anónimas) –, dispunha: «Os administradores da sociedade são obrigados a empregar a diligência de um gestor criterioso e ordenado». Cfr. Cordeiro, António Menezes. Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 252.

30. Até a instituição do Código Civil de 1966, a doutrina dividiu-se entre os que consideravam que o Código Comercial de 1888 admitia ou não a ação social proposta pelos sócios, e, duvidava-se da admissibilidade da ação sub-rogatória dos credores sociais. Cfr. Ramos, Maria Elisabete Gomes. O seguro de responsabilidade civil dos administradores – entre a exposição do risco e a delimitação da cobertura, ob. cit., p. 80.

31. Na realidade o Código das Sociais Comerciais não explicita quais são os deveres próprios dos administradores, apenas faz referência a este «dever de diligência».

32. Cfr. Cordeiro, António Menezes. Código das Sociedades Comerciais Anotado, ob. cit., p. 252.

Responsabilidade dos administradores de sociedades

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