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Prefácio

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A presente obra a qual tenho o prazer de prefaciar tem a sua origem na tese de doutoramento “A responsabilidade dos administradores de sociedades em Portugal: a relação de coexistência entre a responsabilidade societária e a responsabilidade na insolvência” que o autor, Fábio da Silva Veiga, defendeu no dia 12 de junho de 2017 no Salão dos Graus da Faculdade de Ciências Jurídicas e do Trabalho da Universidade de Vigo. O Júri de Provas de Doutoramento, formado pelos professores Anxo Tato Plaza (Presidente), María Angustías Díaz Rodríguez (Secretária) e Rocío Quintáns Eiras (Vogal), concedeu ao trabalho apresentado por Fábio a nota máxima de Sobresaliente Cum Laude. Poucos meses depois, a sua tese receberia o Prémio Extraordinário de Doutoramento.

Com estes antecedentes, a obra “Responsabilidade dos administradores de Sociedades: especial referência aos pressupostos da insolvência” aborda a sempre problemática e interessante questão do regime de responsabilidade daqueles que são chamados a dirigir a gestão interna da sociedade e a sua representação nas relações jurídicas com terceiros.

Para o efeito, o livro contextualiza num primeiro capítulo o regime de responsabilidade dos administradores em Portugal, com um percurso histórico que vai do Código Ferreira Borges de 1833 à versão atual do Código das Sociedades Comerciais de 1986. O artigo 64.° do último texto estabelece que: “1. Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2. Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade”. A interpretação do artigo 64 do CSC não é nada simples e, tal como o autor acertadamente assinala – citando Menezes Cordeiro – “na prática, porém, tais preceitos resultaram bastante complexos, agregando elementos tradicionais, como o critério de diligência; elementos alemães, como o dever de lealdade; elementos europeus, como a referência aos diversos interesses; elementos anglo-saxónicos, como a menção ao dever de cuidado contraposto à lealdade; e ainda um pano de fundo ligado ao corporate governance”.

O capítulo II examina os deveres dos administradores de sociedades comerciais, com especial atenção para o dever de lealdade. Por força do mesmo, o administrador no exercício do cargo está obrigado a subordinar o seu interesse pessoal ou particular ao da sociedade, respeitando em todos os casos as leis e os estatutos sociais. A análise dos diversos deveres dos administradores leva o professor Da Silva Veiga a concluir que: “agora, o comportamento médio que até então circunscrevia a abstrata diligência dos administradores (bonus pater familias) já não é tão claramente aceite. Com a anotação da diligência sob o manto da competência técnica (art. 64.° CSC), o atual sistema jurídico-societário entra no terreno da responsabilização com base na profissionalização dos administradores, e, portanto, a exigência jurídica releva as qualidades técnicas exigíveis ao cargo desempenhado. Isto porque, no atual estado de competição globalizada dos mercados, exige-se dos administradores habilidades que não lhes eram exigidas há anos atrás, daí a complexidade jurídica na previsão de comportamentos adequados aos tempos atuais e a necessidade de configurar a função dos administradores consoante as melhores regras de compliance”.

Descritos os deveres dos administradores, o autor analisa no Capítulo III o regime da responsabilidade que se projeta perante a própria sociedade, os credores, os sócios e os terceiros prejudicados. A normativa – brilhantemente examinada – visa, neste caso, que os administradores cumpram (com a devida diligência e lealdade) as diferentes obrigações e deveres que lhes são impostos pelo ordenamento jurídico. Como o próprio autor adverte na Introdução “a condicionante do risco empresarial foi examinada como um fator de acuidade interpretativa, visando, em certos casos, a exclusão da responsabilidade dos administradores em conformidade com as regras da business judgement rule, objeto de consagração no CSC”.

Nesse cenário, o capítulo IV da obra trata da sempre polêmica coexistência do regime de responsabilidade societária e do regime de responsabilidade na insolvência exigível aos administradores de sociedades. Em todo caso, permitam-me que em relação a este capítulo final, não expor outras considerações, pois não quero incorrer em quaisquer spoilers que possam afetar o seu conteúdo. Pelo contrário, convido-os a entrar nas suas páginas para conhecer, entre outros assuntos, aqueles critérios norteadores que permitirão uma adequada delimitação da responsabilidade societária e da insolvência em situações de sobreposição normativa.

E para finalizar este prefácio, gostaria de me afastar da análise estrita da obra para destacar o entusiasmo e a capacidade de trabalho do Fábio. Em 2014, embarcou na aventura da criação do Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos na cidade do Porto e, desde então, não hesitou no esforço de conceber e concretizar projetos cujo objetivo último não é outro senão contribuir para a divulgação da ciência jurídica.

Ainda me lembro do ensaio prévio à defesa de sua tese no dia 10 de junho de 2017. Ele teve a humildade de ouvir os meus conselhos e os da – então doutoranda – Sara Louredo. Mas não só isso. Dois dias depois, teve a capacidade de colocá-los em prática e os elogios recebido do Júri pela tese de doutoramento que ora fecunda neste livro, dispensam-me de quaisquer comentários ulteriores.

Este livro é o fim de uma viagem, mas o início de muitas outras. Espero que a Universidade saiba recompensar o esforço de pessoas que, como o Fábio, dedicam ao ensino todo o seu talento.

Pablo Fernández Carballo Calero

Professor Titular de Direito Comercial da Universidade de Vigo

En Vigo, a 5 de decembro de 2020,

Mentres a tormenta de saraiba coábase pola xanela

Responsabilidade dos administradores de sociedades

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