Читать книгу Contos e Phantasias - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 11
VII
ОглавлениеNo dia seguinte á hora em que uma brilhante festa de familia, uma especie de baile muito intimo, reunia nas salas do marquez todos os parentes, alliados e amigos que vinham solemnisar a chegada da sua filha e herdeira, Thadeu na pequenina sala de jantar de Henrique, dobrado sobre o peitoril da janella n'uma postura de desolação e de abandono, soluçava baixinho, ao pé de Joanninha, que tentava em vão consolal-o.
Estava de casaca, coitadinho; Joanna não seria capaz de rir do desgraçado, mas como a casaca lhe ficava mal!
Tinha-se vestido para assistir ao jantar.
Antes do jantar não conseguira vêr Margarida.
—A sr.a D. Margarida vinha muito cançada, estava no seu quarto. Dormia. Não havia ordem de a acordar.
Eis as seccas respostas que as criadas,—aquellas perversas—tinham dado ás supplicas phreneticas do pobre Thadeu.
Emquanto a ir ao encontro d'ella como tanto sonhára, não tinha podido.
Seu tio, agora que lhe descobrira algum prestimo—muito secundario, é verdade, mas um prestimo em todo o caso—abusava d'elle horrorosamente.
Tinha-o tornado uma machina de fazer contas, contas de sommar, de repartir, de multiplicar, o inferno!
Não pudera ir, mas esperava vê-la logo que ella chegasse, vê-la só, poder beijar-lhe as mãos, a testa, os cabellos, os pés! Vesti-la toda de beijos como d'antes!
E depois sabia que tambem ella havia de ter saudades! Que tambem se havia de lembrar muito do seu amigo, do seu Thadeu, do seu cão fiel!
Estava impaciente, estava no ar. Mas quando teve a certeza de que só a veria na sala, foi vestir-se logo, envergou uma casaca de seu pae que este mandára arranjar para elle, uma casaca muito larga, já fóra da moda, de panno azulado.
Que lhe importava! Ia vê-la!
Vê-la era o céo.
Vinha-lhe á lembrança aquelle ninho de melros que apanhára um dia—sabe Deus com que trabalho—para lhe dar, e o dia em que ella lhe pedira a lua com uma gravidade tão comica, apontando para o tanque, e o balouço que ambos tinham projectado fazer, e as historias que elle lhe contava debaixo do castanheiro á tarde, emquanto que a musica do piano suspirava ao longe, e havia no ar uns rumores indefinidos de que ella lhe perguntava a explicação.
—São os passarinhos que andam a arranjar-se para se deitarem a dormir dentro dos seus ninhos—costumava dizer Thadeu.
E ella ria-se virando a cabeça muito esperta para a cupula do castanheiro, a ver se descobria como se faz a toilette nocturna dos passarinhos.
Entrára emfim na sala.
Havia grupos aqui e ali. Graves politicos que discutiam, financeiros de abdomen volumoso, matronas severas, moços elegantes, e no meio de tudo um bando de raparigas alegres, garridas, a chilrearem, a rirem e a cochicharem entre si, contentes da nova companheira que lhes chegava de longe, mas muito mais contentes ainda d'aquella atmosphera festiva e perfumada que as envolvia.
No meio d'esse grupo encantador é que ella estava de pé.
Um corpo deliciosamente modelado, de uma graça franzina e toda moderna.
Tinha um vestido de foulard muito justo, muito elegante, e no meio dos rôlos do seu crespo cabello louro aninhava-se uma rosa vermelha, uma rosa côr de sangue.
Os olhos azues, altivos e desdenhosamente fixos lembravam... os olhos metallicos de sua mãe.
Pois era aquella a sua Margarida?!
Era.
Não lhe restava a menor duvida. Apesar de todas as differenças tinha-a conhecido logo.
A sua limpida testa de creança um pouco curta, indicio de obstinação e de capricho; a sua bocca pequenina, até alguma cousa dos seus gestos antigos, tudo trouxe ao coração de Thadeu uma lufada de saudades irresistivel.
Correu para ella como doudo, atravessou pelo meio de toda aquella gente, sem a menor timidez, sem o menor receio, sem notar sequer o espanto que a sua comica apparição tinha excitado.
As raparigas que faziam um circulo em torno de Margarida separaram-se n'uma subita explosão de risadinhas, e ella, olhando muito fixa para Thadeu, exclamou rindo, rindo sem poder mais:
—Ih! credo, primo Thadeu, que casaca!... que figura!... Pelo amor de Deus vá já tirar essa casaca e venha depois!
E ria, ria sem disfarce, emquanto elle com os braços quebrados, o rosto estupido, a physionomia espavorida, sentia dentro de sua pobre alma sem consolo esphacelar-se, desfazer-se, diluir-se em lagrimas de fel a ultima esperança da sua vida!