Читать книгу Contos e Phantasias - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 15

XI

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De feito havia já cinco annos que viviam juntos em uma casa espaçosa e lindissima de Buenos-Ayres.

Henrique pedira com tão meigas e sentidas palavras a Thadeu para que elle os não deixasse, que depois da viagem de rigor feita pelos noivos á Suissa e á Italia o bom cão fiel foi viver junto d'elles.

As investigações da sciencia, o estudo paciente dos homens e das cousas, altas aspirações inspiradas pelo marquez a uma gloriosa carreira politica, absorviam Henrique, emquanto que Thadeu mais amadurecido agora pela experiencia da vida, administrava a casa, tomava contas aos feitores e criados, punha em ordem os róes, recebia os rendimentos, pagava aos fornecedores, era por assim dizer o mordomo mór da opulenta fortuna da sua companheira de infancia.

Margarida continuava a ser o enlevo e o mimo de quantos viviam junto d'ella.

De uma organisação delicada, nervosa e vibratil, com um aspecto infantil, que infundia uma vaga e doce idéa de protecção; boa, d'esta bondade superficial e egoista, que consiste em não gostar de ver ninguem triste ao pé de si, todos os seus caprichos se convertiam n'outras tantas graças, todas as suas exigencias se impunham com a tyrannia adoravel de uma supplica!

O marido tinha por Margarida aquella paixão deleteria e quasi covarde, que ella lhe inspirára logo no primeiro dia.

Não sabia resistir senão a muito custo, a um olhar d'aquelles olhos humidos e radiantes, a um sorriso d'aquelles labios vermelhos, a um gesto d'aquellas mãos finas, esguias, pallidas, da suave pallidez dos lyrios.

Não era bem amor, era uma fascinação, uma embriaguez, uma d'estas doenças que exercem no cerebro a sua acção paralysadora.

Margarida que nenhuma força superior tentava dominar, déra expansão completa a todos os caprichos da sua colorida e quente phantasia.

Adorava o luxo, as cousas d'arte, a musica, as flores raras, frequentava muito o alto mundo onde era requestadissima, vivia na perpetua idolatria de si propria, que a pouco e pouco a inutilisava para os graves deveres da vida.

Thadeu no meio da sua céga e embrutecedora adoração obedecia-lhe como um escravo. Só elle sabia as despezas collossaes, as extravagancias principescas d'aquella pequenina pessoa, activa, graciosa, phantasista como um poeta oriental.

Mas economisava ridiculamente em todas as verbas, para que ella, a rainha, a perola, a Margarita dos seus sonhos d'outro tempo não franzisse um minuto a sua testa curta, a sua testa de teimosa, na contrariedade de um desejo insaciado.

E ella estava tão habituada á submissão e á humildade d'aquelle pária, que o tratava como um traste, um objecto seu, com o qual não tinha de mostrar o minimo constrangimento, a minima attenção affectuosa.

—Thadeu, quero isto! Thadeu, quero aquillo! Thadeu, vi hoje na loja de F. um adereço de um conto de réis. Se o não mandar buscar até ámanhã vendem-n'o. Eu quero-o. Não me deixes ficar sem elle. Fazias-me chorar!

Não lhe pedia a lua como em outro tempo, mas quantas vezes lhe pedia cousas quasi tão inacessiveis como a lua!

Margarida tinha dous filhos. Um menino e uma menina. Dous cherubins.

Mais meigos do que a mãe nunca fôra, mais doceis, mais tranquillos, tendo no olhar a serenidade melancolica do olhar de seu pae!

Thadeu envelhecido, de uma velhice precoce que assombrava os que o haviam conhecido na infancia, tinha por essas duas creanças um louco amor de avô.

Aquelles quatro seres eram a sua vida.

Fundia-os a todos na mesma adoração apaixonada e timida.

Vivia d'elles e para elles.

Henrique era o seu respeito. Margarida o idolo do seu passado, os dous cherubins louros, a unica esperança suave do seu futuro.

Sacrificar-se, esquecer-se, abnegar de si, eis o modo obscuro e sublime pelo qual elle sabia querer!

Mas os dous pequeninos que não eram turbulentos nem crueis, tinham nas suas caricias inconscientes o balsamo poderoso, o balsamo divino para as chagas occultas d'aquelle coração que a vida ulcerára tanto e tanto.

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