Читать книгу Contos e Phantasias - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 7
III
ОглавлениеFoi assim que Margarida fez nove annos.
Era linda e indomita.
Tinha um corpo airoso, flexivel e forte.
Ninguem opprimira nunca aquella altiva natureza aristocratica.
D'ahi a sua isenção, a liberdade dos seus movimentos, o fulgor radioso dos seus grandes olhos azues, onde um observador veria talvez as scintillações metallicas que davam tamanha dureza ao olhar de sua mãe.
Margarida tinha uma vontade de ferro, e uns nervos de mulher caprichosa.
Quando a professora allemã que seus paes mandaram buscar, quiz sujeitar o seu espirito a uma certa disciplina, Margarida revoltou-se n'um impeto de insubordinação selvatica.
Tivera criadas que a serviam, um escravo que tremia diante d'ella, e paes que transigiam com todos os seus pequenos desejos de creança.
Dera-se bem n'aquelle meio, não queria outro, não o aceitava, nem curvaria a sua cabecinha erecta e firme com uma aureola de anneis de ouro a cerca-la, a nenhum dominio que não fosse o da sua vontade.
Um dia Thadeu ouviu fallar vagamente n'uma viagem que seus tios iam fazer ao estrangeiro, e viu começar os preparativos para ella.
Ficou no céo.
Viveria só na grande casa com Margarida e o rancho dos criados.
Seriam livres.
Ella teria um balouço no jardim, uma rede brazileira no kiosque, e um barquinho no lago.
Eram os seus tres sonhos ainda irrealizados.
Thadeu dirigiria todos os trabalhos.
Diria aos operarios que tinha dezeseis annos, e que era sobrinho do marquez.
Os operarios haviam de respeital-o.
Elles não tinham precisão nenhuma de se rir do seu corpo enfezado e rachitico.
Não é preciso ser-se athletico para se ser respeitado pelos homens a quem se paga.
Thadeu havia de arranjar algum meio de lhes pagar.
Andava então doente, exquisito, com uma excitação nervosa que o torturava.
O seu affecto por Margarida tivera uma recrudescencia violenta e dolorosa.
Tinha vagos presentimentos que o faziam chorar.
Parecêra-lhe que sua tia, uma vez, ao encontral-o n'um corredor, olhára para elle com uma aguda ironia malevola.
—Não sabes, Thadeu? gritou Margarida entrando como um raio de sol no quarto onde costumava brincar com o primo. Não sabes?—E atirou-lhe negligentemente aos pés com um feixe de flôres e de folhas verdes que estivera colhendo na quinta.—Tambem eu vou com o papá e a mamã. Vamos a Paris... muito longe... muito longe... Estive á escuta... percebi umas cousas mas não percebi outras. Fallaram n'um convento... no Sacré Cœur... Sabes o que é?...
Thadeu sabia.
Não disse nada, mas no outro dia não pôde levantar-se da cama.
Tinha dôres em todo o corpo e um grande cançasso, como de quem deu uma larga caminhada.
Gemia baixinho abrazado em febre, e quando pediu muito humildemente, com medo de recusa, para ver Margarida, disseram-lhe que a doença d'elle podia pegar-se e que as meninas não iam ao quarto dos homens.
Pois isto é um homem? pensava Thadeu desolado.
Margarida de endoudecida com a mudança, com o movimento, com a espectativa de uma existencia desconhecida e nova, esqueceu-se completamente do enfermo.
Partiu sem pedir sequer para lhe dizer adeus!...
Quando Thadeu ao cabo de um mez de doença sahiu do quarto com o rosto macilento, abatido, cançado, como o de um velho, com a espinha dobrada e as magras pernas vacillantes, pediu para ir ao quarto onde brincava com a sua perola, e agachou-se a um cantinho a chorar com uns uivos dolorosos, com uns uivos caninos que faziam mal.
Sentia-se para sempre só...