Читать книгу Contos e Phantasias - Maria Amalia Vaz de Carvalho - Страница 13

IX

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Uma noite em S. Carlos estreiava-se uma celebridade lyrica na Norma, que então estava muito na voga.

Henrique vivamente instado pela mãe e pela irmã e tambem um pouco pelo seu proprio desejo, determinou ir ouvir a opera adoravel, que é uma verdadeira perola musical.

Havia tempos que elle andava nervoso e inquieto.

Não sabia bem o que tinha mas sentia-se mal.

Tinha impaciencias nervosas que nunca havia conhecido no seu organismo equilibrado e harmonico.

Surprehendia-se ás vezes doentiamente, a fazer planos impossiveis antes de adormecer; a imaginar quanto seria bom ser muito rico, viver na alta roda, n'aquella esphera aristocratica e distincta em que se não trabalha, em que se falla de um modo especial e caracteristico, com termos escolhidos, com inflexões muito mais suaves, com uns certos desdens que d'antes lhe pareciam ridiculos e que lhe estavam agora parecendo superiormente requintados. Ter um palacete com alguns salões apainelados em cuja escadaria de marmore povoada de estatuas e de plantas raras, se aprumassem espadanados lacaios de farda; ter equipagens luxuosas, ter uma mulher loura, franzina, de testa curta, de olhos piscos, com um sorriso felino, quasi cruel nos labios vermelhos, e um corpo flexivel, delicado, mignon de estatueta de biscuit... Uma mulher que se chamasse Margarida.»

N'este ponto da sua scisma Henrique suspendia-se como que sentindo a estranha impressão de quem vae caminhando por uma estrada lisa e de apparencias tranquilisadoras, e encontra de repente, debaixo dos pés, quando menos o espera um reptil desconhecido.

Margarida! que tinha elle com Margarida?!

Lembrava-se que a desprezára e amaldiçoára no dia em que vira chegar a sua casa, pallido, desfeito, com uma casaca grotesca e uns olhos inchados e vermelhos de chorar, o seu pobre amigo Thadeu, que na vespera o tinha deixado tão louco de alegria e tão triumphante de felicidade!

Margarida!

Vira-a depois loura, elegante, com o seu desdenhoso olhar de myope, subir com ligeiresa fidalga o estribo de uma carruagem, descobrindo os finos bordados das suas saias, o pequeno pé primorosamente calçado, todo um poema de mysteriosas elegancias.

Nunca mais a vira, nunca mais desejára vêl-a!

Para que?

Ella lá tão em cima, elle cá em baixo lidando, tressuando, luctando para alcançar... o que talvez não tivesse nunca!

Um nome, uma posição, o pão de sua mãe e de sua irmã, sem amarguras e sem pequenas privações humilhantes!

N'aquella noite em S. Carlos a musica sentimental e enervante de Bellini, o contacto de todo aquelle mundo ocioso e rico ainda o tornava mais nervoso e excitado. Estava quasi arrependido de ter vindo.

N'isto sentiu que lhe batiam no hombro e uma voz aflautada, uma voz tremelicante, com inflexões muito alegres, disse-lhe ao ouvido:

—Anda cá acima, pediram-me para te vir buscar, para te apresentar; gostam muito de ti! Não imaginas como és estimado pela minha querida Margarida, desde que soube que tens sido o meu unico amigo, o meu auxilio na vida, aquelle a quem mais devo depois d'ella.

E Thadeu, porque era elle, arrastava pelos corredores das frisas Henrique surprehendido, contrariado, com uma estranha sensação de desconforto a comprimir-lhe fortemente o peito.

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