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4 O SOL DE VERÃO POR KELLY O’HARA

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De algum modo fica-se com a sensação de que Daphne Summer — chefe celebridade, colunista de jornal e autora de livros de receitas — não gosta de protagonismo. De facto, parece mesmo odiá-lo. Se pudesse deixar a comida falar por si mesma, era o que faria, diz.

Ao contrário de outros chefes da sua época, ela não tem uma necessidade premente de inventar a roda ou mudar a forma como a nossa nação come; só quer cozinhar boa comida e quer fazê-lo usando ingredientes locais. Oh, e quer que o resto de nós também o faça.

Até este desejo é pontuado pela sua característica gargalhada autodepreciativa, e enquanto nos sentamos na esplanada do jardim do seu restaurante homonimamente chamado Casa Summer, sopra a franja para fora dos olhos e diz: «Bem, talvez eu queira mudar a forma como as pessoas comem, afinal.» Está numa pausa entre o agitado serviço de almoço repleto de visitantes e clientes locais, que diz serem o seu principal sustento, e casa cheia à espera de jantar nessa noite. No relvado diante de nós, os seus três filhos saltitam, a viva imagem de saúde e felicidade, a chamarem ocasionalmente pela mãe para ela ver um pino ou uma cambalhota.

O seu sotaque australiano, que mal se nota no seu programa de televisão, é mais forte na vida real, e diz que se não fosse por Max Summer, que conheceu romanticamente e com quem se casou no espaço de uma semana no final dos anos 1990, estaria de regresso à Sydney da qual ainda sente saudades. Felizmente para nós que o conheceu, porque a comida que acabei de comer na Casa Summer foi algo que nunca tinha experimentado nesta parte do mundo.

Os sabores são delicados sem serem esquisitos, e é como se os ingredientes não tivessem sido muito elaborados, o que normalmente significa que foram bastante tratados. A proveniência de cada prato é listada na ementa escrita à mão: o marisco vem dos pescadores locais, cujas embarcações minúsculas pude observar a balançar na enseada enquanto comíamos; o borrego da quinta ligada à Casa Barnsley, também gerida pela família Summer há gerações; e as ervas que estimulam cada prato são apanhadas na própria manhã nas extensas hortas que rodeiam a casa por onde Daphne nos convidou para passear enquanto falamos.

Sem formação formal, Daphne aprendeu as suas habilidades em restaurantes de grande qualidade que costumavam estar ligados a todos os hotéis de cinco estrelas em Londres. Primeiro como uma pobre jovem australiana a viajar à boleia de mochila às costas, lavou pratos, e depois foi subindo na cozinha, acabando por cozinhar sob a alçada de um dos mais conhecidos enfants terribles da cena da restauração dos anos 1990. Foi à porta de uma dessas cozinhas que conheceu o marido.

Esgueirando-se para a rua para fumar um cigarro a seguir ao seu turno, foi contra Max, que estava a fazer o mesmo, a tentar escapar a um encontro romântico desastroso na sala de jantar.

Enquanto falamos, Daphne interrompe frequentemente para apontar para coisas na sua horta. «É bem diferente do velho canteiro de vegetais com o qual cresci», diz, apanhando favas para um escorredor de esmalte pelo caminho. «O meu pai trabalhava num banco, mas adorava a sua horta, e tinha uma pequena parcela com vegetais, mas nada que se pareça com isto: metade do tempo tínhamos um enorme excesso de acelgas e ruibarbo, e no resto, os caracóis chegavam às coisas antes que nós conseguíssemos. Mas fez-me aperceber da quantidade de trabalho que envolve fazer crescer uma cenoura, por isso, agora, como cozinheira, asseguro-me de que trato aquela cenoura com algum respeito.»

Daphne parece fazer questão de nunca se apelidar de chefe, referindo-se a si como cozinheira, em vez disso. Apesar dos prémios que recebeu, diz que ainda se sente mais confortável dessa forma. «Não sou chefe. Sou apenas alguém que adora comida e quer partilhá-la com o máximo de pessoas possível. Há um limite para o que a minha família consegue comer, por isso tornou-se num trabalho. É só isso.» É um comentário típico desta mulher humilde cujo livro de receitas A minha Casa Summer foi um dos maiores sucessos de vendas do ano passado.

Ainda a meio da casa dos quarenta anos, imagino que deva ter sido bastante estonteante quando conheceu Max. Quando faço referência a tal, a gargalhada surge de novo, antes de me fitar com uma lágrima no olho. «O Max gosta de sinais de uma grande personalidade e deplora a fraqueza. Muito frequentemente, uma cara bonita pode ser mal interpretada como ambas.» Recusa-se a elaborar, voltando a encher o meu copo de rosé quando regressamos ao terraço, em vez disso.

E acerca dos rumores de um problema com o álcool ter posto um fim à produção das suas primeiras séries no ano anterior? Dá apenas um gole de vinho ocasional e escolhe as palavras com cuidado. «É uma coisa comum nesta indústria. O stresse do serviço combinado com o abençoado alívio de beber um copo a seguir, e um pode espoletar o outro. Houve um incidente que rebentou e saiu completamente fora de proporção. Cortei com o álcool desde então, mas para mim, enquanto cozinheira, uma refeição sem vinho não é uma refeição de todo.»

A localização remota da Casa Barnsley, situada numa linha costeira espetacular sobre uma série de praias rochosas, é bastante apelativa para pessoas que aqui vêm para escapar ao mundo. É de um charme do género de fim de mundo, simpático para visitar, mas viver aqui deve ser solitário. Daphne não acha. «Podia ficar aqui para sempre. As pessoas estão sempre a pedir-me para aparecer em Londres, para fazer uma consulta neste lugar ou cozinhar naqueloutro, mas sou feliz aqui. Tenho tudo o que preciso.»

Dito isto, morde a ponta de uma fava e cospe-a para o jardim, espremendo para fora os gloriosos botões verdejantes para que eu os pudesse examinar. «Vê? O que mais poderia eu querer?» Ela tem razão: A Casa Barnsley é o mais próximo do paraíso a que se pode chegar.

Para mais informações, visite barnsleyhousehotel.co.uk. O autor foi convidado pela Direção de Turismo do Oeste.

ESTAVA SENTADA a pensar naquilo que tinha acabado de ler quando um carro parou diante da casa. Apaguei apressadamente o histórico de pesquisa e fechei as janelas do navegador. Da janela conseguia ver o meu pai a sair do Uber, a sorrir para o condutor, e depois a segurar a porta aberta para a Fleur. O seu sorriso rapidamente desapareceu assim que viu o seu carro parado debaixo da árvore. Mesmo a partir de casa, conseguia ver que a seiva pegajosa que ele tanto desprezava já tinha feito estragos no tejadilho e rapidamente me arrependi da minha decisão impulsiva de deixar ali o carro.

O meu pai, que me tinha ajudado a suportar o ano que passou. Apoiou-me quando todos os outros no mundo me chamavam de mentirosa. E com razão. Tinha feito de tudo para me arranjar um emprego junto de uns velhos amigos, um emprego que, para ser verdadeiramente honesta, só com sorte se prolongaria para além do período experimental de três meses.

Algo me disse que aquela não era a noite para referir a carta; na verdade, o meu mais profundo instinto era de não a mencionar de todo.

Num impulso — que novidade! —, corri para a secretária do meu pai e abri o pequeno cofre debaixo da cadeira. O código, apesar de tudo, era o aniversário da minha mãe. Sempre foi. Só que nunca tive de usá-lo.

Mil novecentos e sessenta e oito. O Verão do Amor. Os protestos estudantis em Paris. E a minha mãe a aterrar na terra, no meio de nenhures. Na Casa Barnsley. Perguntei-me se a sua vida teria sido diferente se ela tivesse nascido noutro sítio.

Estava escuro dentro do cofre e eu tinha demasiada pressa para acender a luz. O meu pai e a Fleur estavam agora nos degraus da entrada.

— Qual é a dificuldade de colocar o carro dentro da garagem?

— Provavelmente estava distraída. — A Fleur deve estar cansada de me defender.

— Ela faz de propósito. É tão ingrata!

— «Depois de tudo o que fiz por ela», disse para com os meus botões a enfiar profundamente as mãos no cofre no momento exato em que o meu pai dizia exatamente aquelas palavras do lado de fora da janela.

A campainha soou ruidosamente. As chaves do meu pai estavam na mesa do hall de entrada. Previsivelmente, não houve sons das minhas meias-irmãs. A Ophelia provavelmente estava a dormir no sofá a esta altura e a Juliet ainda estava lá fora ao telefone. Os meus dedos finalmente agarrados à volta do pequeno livro azul, quase novo e duro nos cantos devido à falta de uso. Fechei o cofre com força e voltei a empurrar a cadeira até à posição original.

— Miranda! — Agora parecia zangado. A correr para a porta quase tropecei na ponta do seu tapete, enquanto o meu telefone começava a vibrar em cima da secretária onde o tinha deixado.

O meu pai tinha-me escondido o passaporte durante as profundezas do meu desespero. Achou que eu corria risco de fuga. Eu sabia onde estava o tempo todo, apenas não tinha para onde ir. Enfiei-o dentro da parte da frente das minhas leggings enquanto destrancava a porta de entrada. Só para prevenir. No último momento, enfiei também lá a carta.

A casa das noivas

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