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— JÁ ALGUMA VEZ esteve nesta parte do país? — perguntou-me o taxista enquanto nos aproximávamos de Barnsley pela primeira vez. Toda a zona rural estava banhada por uma luz tépida, com o dia indeciso na sua chegada ou partida.

— Não.

— Vai ter uma surpresa. — O carro abrandou à saída da autoestrada e entrou numa estrada local mais pequena.

A terra em redor começou a abrir-se em campos e, por detrás deles, colinas por desbravar cobertas de fetos para os quais eu não tinha ponto de referência. A viagem interminável de avião, seguida por uma longa espera em Heathrow pelo autocarro e agora um táxi para a cidade mais próxima: Não fazia a menor ideia se era de dia ou de noite, quanto mais onde raio estava, ou como se chamava a fauna local. Era bastante diferente do cenário ameno e aconchegante que tinha visionado para a minha chegada a Barnsley. Sabia que tinha sido uma fantasia, mas no meu estado desorientado e cheio de jet lag, começava a ter dúvidas sobre o meu plano de aparecer sem avisar.

À distância, um animal desconhecido estava parado sem se mexer num afloramento rochoso.

O taxista pareceu pressentir a minha confusão. — É a ponta do pântano. Agora seguimo-lo a toda a volta até Barnsley — explicou.

— Que animal é aquele?

— Um veado. São ferozes por aqui. Há conversas sobre abatê-los, especialmente depois do acidente, mas já sabe como é, os grupos dos direitos dos animais e o gosto… — Deixou a frase por acabar e remexeu-se no banco.

O acidente?

Passado mais um instante, acrescentou: — Tem roupa quente?

— Sim, acho que sim. Tenho um bom casaco e botas. É a isso que se refere?

Os seus olhos examinaram a minha roupa de viagem ao espelho. A camisola de algodão e as calças de ganga que tinham parecido apropriadas para o crescente calor do verão australiano não chegavam para o frio cortante com o qual fui confrontada quando saí do autocarro. Vi os seus olhos passarem pelo colar de berloque da minha mãe ao meu pescoço. Brilhava aos últimos raios de luz da tarde e tentei enfiá-lo para dentro da roupa.

— Vai precisar de roupa prática por aqui. Botas de borracha. Equipamento impermeável. — Olhou para mim pelo retrovisor, medindo-me de alto a baixo. — Não me parece que as coisas da Daphne lhe vão servir.

A minha pele, debaixo das suas camadas de roupa nada prática, arrepiou-se ligeiramente. Ficámos em silêncio enquanto o dia se transformava em noite, com a escuridão a instalar-se com rapidez. Por fim, após percorrer um longo caminho que se seguiu a uma curva na estrada, coberto de ambos os lados por sebes descuidadas, o taxista parou o carro num pequeno desvio.

Ao lado, eu conseguia distinguir a forma de um par enorme de portões de ferro claramente fechados a cadeado por uma robusta corrente. Havia uma tabuleta com letras douradas a anunciar a Casa Barnsley, mas tinha a luz por cima apagada.

— Eles não sabem que você vem. — Era uma afirmação e não uma pergunta.

A minha confusão deve ter-me transparecido na cara. O taxista não pareceu acreditar em mim quando lhe assegurei do contrário. Não esperava que estivesse tão escuro quando chegasse. Não esperava que parecesse tão… abandonado. — Porque é que não lhes faz um telefonema, querida?

Sim, porque é que não faço?

Pensei com rapidez.

— O meu telefone não funciona aqui. Há alguma outra maneira de entrar?

— A família usa a entrada privada ao fundo da rua.

— Sim. — Tentando soar mais confiante desta vez, acrescentei: — Foi o que me disseram, lembrei-me agora.

Esperei. O taxista hesitou e depois suspirou. Libertou o travão de mão e fez o carro voltar à estrada.

— Quem é que você disse que era, mesmo?

— Uma amiga. Da família. — Tinha sido uma decisão repentina mentir. Não sei bem porquê. Reverter a situação. Não queria que aquele homem fizesse perguntas.

— Eles não têm muitos amigos a aparecer ultimamente.

Observou-me com atenção pelo espelho retrovisor. Só podia esperar que a escuridão em redor estivesse a disfarçar um pouco os meus nervos. A última coisa de que precisava era de perguntas. Tinha retirado a carta da Sophia do escritório do meu pai. Ardia-me no bolso do casaco. Era certamente imaginação minha, mas parecia irradiar calor enquanto avançávamos lentamente pela estrada alinhada por árvores, como se estivesse a apanhar alguma espécie de sinal vindo da paisagem.

— Cá está. A Casa Barnsley — disse enquanto parávamos de novo, apenas um pouco mais à frente na estrada.

Os portões estavam abertos. O taxista hesitou antes de se decidir a continuar com um arranque tão subtil que me empurrou contra a tensão do meu cinto de segurança.

O caminho, agora fora da estrada principal, era serpenteante, e nalguns sítios caía abruptamente para se encontrar com o agitado mar cinzento. — Você parece-me familiar — disse o taxista, olhando-me pelo retrovisor. — Apareceu nas notícias?

Tinha aparecido, mas parecia-me improvável que as notícias das minhas desgraças se tivessem espalhado até tão longe. Antes de tudo acontecer, costumava sentir uma leve excitação quando as pessoas me reconheciam. Costumava sentir-me especial. Mesmo que fosse raro, gostava. Era uma das coisas de que sentia falta na minha vida antiga. — Não vejo muito as notícias — respondi e era verdade. Muito para desespero do meu pai, eu nunca tinha tido sede de notícias como ele. Tal como muitas pessoas, só as achava interessantes quando tinham alguma influência na minha própria vida, e depois de repente, no ano anterior, a minha vida tornou-se notícia e perdi todo o gosto por elas. Sabia por experiência própria quão destrutivas podem as notícias ser para uma pessoa.

Ou uma família.

Que foi a razão de eu ter parado de procurar Barnsley e a família Summer no Google, pouco tempo depois de ter começado. Com certeza que apreciei o frenesim inicial de me refastelar com a história da casa e de ler sobre o restaurante, mas havia algumas ligações em que não conseguia clicar. Algumas publicações que não conseguia ler. Depois do que tinham escrito sobre mim, tinha jurado nunca mais ler nada escrito nas suas páginas.

— Você é parecida com aquela atriz, é isso. Por um momento achei que a conhecia.

Suspirei de alívio.

Existiam lacunas no meu conhecimento, mas preferia assim. Ia descobrir em primeira mão ou não descobrir de todo. Não estava interessada no julgamento de quaisquer outros feitos na comunicação social.

Como que se lesse a minha mente, o taxista disse: — A Internet por estes lados não é das melhores.

— Não faz mal, posso procurar um sítio qualquer na cidade se precisar de ficar online — disse eu, sem ter bem a certeza a que cidade é que me estava a referir, esperando que algures neste isolamento se escondesse uma cidade, de preferência com um café acolhedor e ligação WI-FI gratuita. Por muito que estivesse a gostar de estar offline, ainda era de alguma forma reconfortante saber que existia.

Chamem-me só Patty Hearst.

— Que cidade é essa, querida?

— Aquela de onde saí do autocarro, South Bolton.

— Deu uma vista de olhos ao local? — Ele riu-se. — É só mesmo aquilo, uma paragem de autocarro na rua principal. Não há Internet em cafés escondidos, sabia?

— Há alguma biblioteca?

— Não. Não do tipo a que se refere. A Jean Laidlaw gere uma biblioteca, mas é mais uma sociedade histórica. E é em Minton, e não em South Bolton. Será Minton o local para onde quererá ir, e não South Bolton.

— Certo. — Isso pode vir a dar jeito mais tarde. Fiz uma nota mental para fixar Minton. E a Jean Laidlaw.

Nuvens baixas, que mal se viam no escuro, moviam-se na nossa direção, e as primeiras gotas de chuva aterraram no para-brisas. — Mesmo na hora certa — disse o taxista do banco da frente, fazendo-me outro olhar curioso ao espelho. Havia mais qualquer coisa no seu olhar desta vez. Um aviso.

Escolhi ignorá-lo enquanto contornámos a última curva, saímos debaixo das copas das árvores e vi a casa pela primeira vez. A magia de Barnsley entrou-me nos ossos a partir desse preciso momento.

Não era o que eu estava à espera. Parecia diferente vista das traseiras. Mais pequena, mais como uma casa do que o forte colossal que eu tinha congeminado na minha mente. Não sabia que a escuridão estava a esconder grande parte da casa e que a luz brilhava só nas janelas da parte da casa que a família usava, e que essa era uma parte muito pequena. A casa revelar-se-ia por acréscimos, tal com a família que vivia dentro dela.

Para mim, os rastos escuros das trepadeiras nuas de hera que emolduravam as janelas a brilhar e as portas eram muito bonitas, muito mais encantadoras do que as imagens iluminadas pelo sol que eu tinha visto. Mas o local estava deserto. Tínhamos parado numa grande rotunda de gravilha ao lado de um pequeno vestíbulo. Não havia carros em lado nenhum. Não conseguia ver quaisquer hóspedes. O jardim estava na escuridão.

E se a minha intuição estivesse correta, eu era a única pessoa no local. O meu plano de chegar como hóspede anónima do hotel estava tremido.

Veio um Labrador preto a correr da parte lateral da casa e o taxista deu um grito de alegria. Saltou para fora do carro e deixou que o cão lhe saltasse em cima, sem se incomodar com as patas lamacentas ou com a chuva miudinha que caía. A luta poderia ter continuado indefinidamente caso eu não tivesse ido buscar a minha mochila ao porta-bagagens. Ele desembaraçou-se e intercetou-me.

O cão saltava em seu redor, enlouquecido e incapaz de se acalmar. A sua cauda bateu-me na perna, com força, e eu gritei. O taxista olhou para mim de forma estranha e deu uma palmadinha tranquilizadora na cabeça do cão. — Não faz mal, Thomas, não faz mal — disse em tom apaziguador.

— Não sou muito dada a cães — murmurei, como se não tivesse sido evidente. Paguei ao taxista, a contar cuidadosamente as notas desconhecidas, incerta sobre a necessidade de lhe dar gorjeta. Decidi dar-lhe cinco libras, principalmente por não ter feito demasiadas perguntas. Ele pareceu deliciado com isso e estava prestes a ir-se embora quando mudou de ideias e se aproximou.

— Tem a certeza de que fica bem a entrar ali?

— Ótima. Estão à minha espera. — O cão ainda continuava a rondar. Não houve movimento dentro da casa, nenhuma luz se acendeu no vestíbulo. Com certeza que alguém seguiria o cão até à rua a qualquer momento, senão qual seria o objetivo de tê-lo?

No pequeno vestíbulo do lado de fora da porta das traseiras estava uma casota de cão enferrujada e montes de sapatos descartados. Botas de borracha e ténis, chinelos de enfiar no dedo e sapatos de uniforme escolar todos amontoados em conjunto numa pilha indiscriminada. Tudo naquilo mostrava felicidade doméstica: uma família feliz a viver no interior.

— Não tem de se preocupar comigo — disse eu, com a mão a subir instintivamente até ao colar, tocando-o por cima do algodão leve da minha camisola.

A porta do vestíbulo abriu-se e a cabeça de uma mulher surgiu à espreita. Um gato esgueirou-se atrás dela. O cão ladrou e o taxista enfiou-se depressa para dentro do carro. Ligou o motor e as rodas viraram com tamanha rapidez que pequenos pedaços de pedra se levantaram e me bateram nos tornozelos.

Foi só quando o barulho do carro se desvaneceu que a mulher falou.

— Vem por causa da vaga para ama?

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