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— SAIU PARA CONHECER o sítio, foi? — perguntou a senhora Mins a arrancar ervas daninhas invisíveis. — Passarinho que madruga apanha minhocas.

A senhora Mins gostava de falar com aforismos batidos. Iria aprender que eram a forma de ela se proteger de pensar demasiado profundamente sobre qualquer coisa, e uma das formas de ter sobrevivido em Barnsley todos aqueles anos.

Dessa primeira vez, levei os seus comentários de forma literal. Era cedo, e pelo que me era dado saber, as minhocas eram uma coisa que serviam no restaurante em Barnsley. E minhocas pareciam ser a única coisa provável de ela poder estar a colher daquele pedaço de terra árida em particular. — São para o restaurante?

A senhora Mins parou de escavar e apoiou-se na enxada. Olhou para mim com atenção. — Não reparou?

Havia muita coisa em que eu tinha reparado nas minhas doze horas, ou perto disso, em Barnsley. Uma governanta sinistra. Uma mãe ausente. Crianças negligenciadas. Uma notória falta de hóspedes. Correntes de ar árticas. Nenhuma delas parecia apropriada de se mencionar. — Reparar no quê?

— O hotel está fechado. Assim como o restaurante. Tem estado assim desde o acidente.

— Mas no website não referem isso — gaguejei em choque. Era verdade. Tinha passado imenso tempo naquele website: a fotogaleria; as sugestões de coisas para fazer na região; a história dos edifícios. Nada daquilo sugeria que o hotel estava fechado, na verdade.

— É referido quando se tenta fazer uma reserva. O Max não quis que fosse demasiado óbvio. Na verdade, nunca tomou de facto essa decisão. Apenas parou de atender os telefonemas e fechou os portões principais.

Pensei no meu rato a pairar sobre o «Reserve Agora!» e a minha decisão de aparecer sem aviso. — Vão reabrir? — perguntei ainda a juntar as peças na minha cabeça.

— Bom, ele deixou-me aceitar aquela reserva para o casamento. Já é um começo. Mas há muito trabalho a fazer, de qualquer modo. — Com uma mão de luva calçada apontou para o jardim além da casa. Naquela manhã, vestia umas calças de ganga e uma camisola azul de pescador, do género que o meu pai usaria para visitar as quintas dos amigos, mas ainda tinha as argolas douradas. Nas suas roupas de trabalho, ainda parecia mais em casa do que na noite anterior, e mais uma vez mais arranjada do que eu alguma vez estaria.

— Há quanto tempo é que está fechado? — perguntei, a pensar até que ponto levaria a minha curiosidade.

Ela não pareceu importar-se. — Há quase um mês. Tive de recusar todas as pessoas que fizeram reservas para o Natal e o Fim de Ano. Todas aquelas reservas. Puf!

— Eles voltam.

— Não tenho assim tanta certeza. O sítio começa a ganhar uma certa reputação.

— Parece-me que já tem uma há um tempo.

Um pequeno som escapou da garganta da senhora Mins. Olhou para baixo e deu um pontapé numa raiz na terra. Parecia que a conversa tinha acabado.

Crescer com a Fleur tinha-me sintonizado com a arquitetura paisagista, e alguém com olho treinado tinha definido aquela. De alguma forma, era uma versão nostálgica de um jardim Eduardino, com canteiros demarcados por vedações em madeira e ervas a rodear cada pedaço de terra, mas exibia uma simetria mais moderna. Fazia-me lembrar as hortas a que a Fleur me tinha levado em casa. A Stonefields. À horta de Heide. Agora estava vazia, mas imaginava o que devia ser em descarga completa. — Devia ver esta horta no verão — disse a senhora Mins, como que a ler-me a mente. — Aquele canteiro inteiro ao longo da parede é de menta. De cinco ou seis tipos diferentes. Sabia que dá para plantar menta chocolate? Se pudesse só cheirar… Ali, alfaces. De pelo menos quatro tipos. É só ervas à frente da alface, de todo o tipo que possa imaginar. Mas imagino que não tenha muito interesse nesse tipo de coisas.

— Oh, sim, tenho — respondi antes de pensar bem nisso. Estive quase a contar-lhe a minha formação. Herbalismo. Naturopatia. Bem-estar. Nutricionista. — A minha madrasta é jardineira. Arquiteta paisagista, na realidade.

A senhora Mins olhou devidamente para mim, com os olhos a dispararem para as minhas mãos, à procura de sinais que lhe denunciassem uma jardineira a sério. Não encontrando nenhum, pareceu revirar os olhos para um observador invisível. — O que é que está a fazer a trabalhar em cuidados infantis, então? — Parecia desconfiada.

— As crianças ainda estão a dormir — respondi a evitar a pergunta.

Ela abanou ligeiramente a cabeça, como se estivesse a expulsar alguma coisa do ouvido. — Por aqui, todos dormem até tarde. A não ser eu — respondeu. Era uma ameaça? Parecia uma, mas apesar da minha idade, sempre fui madrugadora e não sentia que tivesse de mudar. A senhora Mins não tinha o monopólio das madrugadas.

Parecia-me estranho que o Max dormisse até tarde. O meu próprio pai era sempre o primeiro a levantar-se: a fazer o café, ler o jornal, a ver as notícias na televisão. Olhei de novo em redor em busca de sinais de vida. Havia uma sebe no final da horta e para além daquela fronteira verde ficava o parque de estacionamento, agora vazio à exceção de um pequeno veículo, mais parecido com um carrinho de golfe do que uma carrinha. — Oh, é a senhora que gere o hotel do senhor Summer? — perguntei. O que é que ela fazia o dia inteiro, enquanto estava fechado?, perguntei-me. Quem era ela?

Só foi preciso uma pequena picada para a fazer falar. — E tudo o resto — respondeu com o suspiro martirizado dos sobrecarregados crónicos. — Não era suposto também tomar conta das crianças. Não foi para isso que me contrataram.

— E para que é que a contrataram? — perguntei, encostando-me para apanhar alguns pés de salsa já tão desenvolvidos que me chegavam à cintura.

— Eu costumava trabalhar em Capri. Itália?

Acenei com a cabeça como se conhecesse.

— O Max e a Daphne foram lá ver-me. Tinham ouvido falar do que eu tinha lá feito. Eu estava a trabalhar num pequeno hotel, numa vila minúscula na encosta de um penhasco que tinha sido convertido num resort de luxo. Tinha-se tornado muito famoso e não só por causa do local. A indústria hoteleira de luxo é muito mais pequena do que possa pensar.

Nunca tinha realmente pensado sobre nada disso, mas acenei com a cabeça, ainda assim.

— Tínhamos um chefe de cozinha incrível — não uma celebridade, como a Daphne, mas que cozinhava mesmo muito bem. Os melhores funcionários costumavam vir trabalhar comigo e tinha ótimas críticas. As pessoas vinham passar luas-de-mel, aniversários, mas na sua maioria eram conhecedoras, o tipo de pessoa que vinha todos os anos, ficava durante um mês e nem sequer perguntava o preço.

— Parece fantástico. Como é que o senhor Summer a convenceu a vir para aqui?

— Ofereceu-me imenso dinheiro, muito mais do que eu estava lá a ganhar. Os proprietários não nos pagavam muito, mas a vida era boa. Tínhamos alojamento e havia pequenos restaurantes nas ruas secundárias só para as pessoas que trabalhavam nos hotéis. Mas não foi pelo dinheiro.

Parecia que ela ia continuar a falar sem parar, mas surpreendeu-me ao virar costas de repente e a afastar-se, deixando-me parada no meio do caminho de pedra e forçando-me a chamá-la. — Foi porquê? Como é que ele a convenceu a vir? — perguntei.

Ela parou e ficou quieta por um momento. De costas parecia muito mais nova e pensei de novo como é que o Max a podia ter tentado. Ela olhou para as janelas, e deu para ver que eram as janelas ao longo do corredor das crianças. Com certeza que devem estar quase a acordar. A senhora Mins deve ter tido o mesmo pensamento, pois só depois de estar satisfeita por não estar lá ninguém a ouvir é que se virou de novo. — Como é que o senhor Summer a convenceu a si a vir? — perguntou ela calmamente.

De imediato houve uma sensação de sangue a correr-me para a face. — As crianças… Ele precisava de alguém para as crianças — acabei por gaguejar em resposta. Eu não tinha razão real para a minha aparição súbita. Nem sequer sabia se o emprego tinha sido anunciado. Pelo que me era dado saber, tinha havido uma carta a subir por uma chaminé, ao estilo da Mary Poppins.

— As crianças — repetiu, pensativa, a senhora Mins. — Não foi certamente assim que ele me convenceu a mim.

— Tem filhos, senhora Mins?

— Eu? Não. É demasiado tarde para isso. — Foi uma resposta a outra pergunta, talvez aquela que eu deveria ter perguntado. Ficámos num silêncio estranho por um instante.

— E a senhora Summer? Vai ter mais filhos? — Estava a atirar ao escuro, mas foi a única forma de que me lembrei de trazê-la à conversa. Afinal de contas, eu era a ama.

— A Daphne? — A senhora Mins pareceu afetada. — Porquê? O que é que o Max disse?

— Ah, nada. Pensei que talvez fosse por isso que precisasse de uma ama.

Os olhos da senhora Mins foram até às janelas do andar de cima. Quando falou, foi devagar, como se estivesse a avaliar cada palavra à medida que a dizia. — A Daphne precisa de uma ama porque tem estado de cama desde o acidente. Os médicos dizem que precisa de descansar. Quando estiver melhor, vai ficar novamente ocupada com o restaurante.

— Que acidente? — perguntei de rompante. Ao contrário da senhora Mins, não demorei tempo nenhum.

— Não me cabe a mim falar sobre o acidente. — Nem a ti, disse-me ela com o olhar.

— Fica à sua vontade — respondi quando ficou claro que ela não ia desenvolver.

— Talvez me possa ajudar quando o tempo melhorar. É demasiado trabalho para mim e para o senhor Mins e bem que nos fazia falta mais um par de mãos. Posso ver se o Max lhe paga um pouco mais por isso.

Depois da forma como ela esteve a olhar para o Max na noite anterior, fiquei surpreendida por ouvi-la falar sobre um senhor Mins. Aqui estava a minha oportunidade para perguntar. — O seu marido também trabalha aqui?

— Vai conhecer o meu irmão em breve. — Acenei com a cabeça, confusa e ainda sem perceber porque é que ela estava a chamar o irmão de senhor Mins. — Se souber o que anda a fazer, claro. Não a vou querer a trabalhar ali se não tiver a certeza sobre as coisas.

Já tinha passado muito tempo desde que eu tinha sentido saber inteiramente o que ando a fazer sobre qualquer coisa e não conseguia imaginar sentir-me a ter a certeza sobre nada nos próximos tempos. Tudo ali parecia tão ambíguo.

Havia muito a aprender.

Mas havia mais uma pergunta que eu estava desesperada por fazer e o convite da senhora Mins para que a ajudasse na horta trouxe-me o incentivo de que precisava para tal.

— O que é que aconteceu à Agatha? — perguntei tão depressa que as palavras saíram atabalhoadas. Presumi que tivesse alguma coisa a ver com o acidente.

A senhora Mins levou um momento a processar o que eu tinha perguntado. Suspeitei que soubesse que eu iria perguntar mais cedo ou mais tarde e que a altura da pergunta fosse a única parte que achou surpreendente. Imaginava que pensasse que eu ia demorar mais tempo para ganhar coragem. — A curiosidade matou o gato — respondeu. E deixou-me à espera tanto tempo em silêncio que, por fim, não tive outra alternativa senão afastar-me e ir ter com as crianças.

A casa das noivas

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