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AS CRIANÇAS ESTAVAM acordadas. Apressei-me a passar pelo pequeno portão e a entrar dentro de casa, à espera de encontrá-las na cozinha, à espera do pequeno-almoço. O Robbie estava sentado à mesa, a ler um guia antigo de corridas de cavalos. A Sophia também lá estava, a enroscar o cabelo à volta de um dedo, encostada contra a bancada. Parecia muito mais nova esta manhã, ainda meio a dormir, e o pijama curto que usava, apesar do frio, revelava as pernas compridas que devia ter herdado do pai.

— Onde é que está a Agatha? — perguntei.

— À espera de que alguém a traga para baixo? — respondeu a Sophia com uma entoação de voz crescente no final da frase assim colocada de propósito. Vi a cadeira de rodas na esquina e lembrei-me de o Max a ter carregado para cima na noite anterior. A casa não era adequada para alguém numa cadeira de rodas e o Max não tinha feito nada acerca disso. Em vez disso, deixou a Agatha no seu quarto, ao cimo de uma escadaria minúscula e no final de um corredor estreito.

— Oh. Certo. — A Sophia ficou a observar-me enquanto me encaminhava para as escadas. — O teu pai não me disse nada.

Já tinha passado muito tempo desde que tinha trabalhado para outra pessoa, o que era uma das razões de achar tão fácil descartar o compromisso com a Grant and Farmer. Não tinha falado com o meu pai desde que me vim embora. Numa jogada cobarde, deixei um recado a explicar que a Denise e o Terence me tinham convidado para passar o Natal com eles em Londres e que podia lá passar algum tempo à procura de trabalho após o Ano Novo. De modo algum ele ia acreditar naquilo, mas achei que me podia fazer ganhar algum tempo.

Tinha basicamente colocado de quarentena a culpa por aquelas mentiras, mas lamentava, de facto, pela Fleur e pelas minhas meias-irmãs, que de certeza teriam de suportar a força da raiva dele após a minha partida. Desta vez, sentia que as minhas mentiras serviam um fim, um bem maior, de uma forma que não serviram antes. Pelo menos era assim que o justificava.

Do que me lembrava sobre começar um novo trabalho era que as pessoas que já lá trabalhavam prestavam normalmente uma qualquer espécie de orientação. Uma descrição do trabalho. Algumas tarefas simples para colocar a pessoa à vontade no ambiente. Talvez uma visita guiada às instalações e um cartão de acesso. Até agora, em Barnsley, eu tinha recebido alojamento e uma refeição e, ainda assim, nenhum dos outros aspetos mais tradicionais do trabalho. Era um cenário fora do comum.

Teria de descobrir algumas coisas por mim. Fiz uma lista mental enquanto fazia o agora familiar caminho de volta à escadaria. Horas de dormir. Comidas favoritas. Horários. Carro? Escola. Trabalhos de casa. Roupa para lavar. Regras. Nenhuma da minha experiência anterior parecia relevante.

Passei por uma porta fechada ao fundo do corredor. O quarto do Max e da Daphne. Adquiriu uma qualidade diferente, agora que eu sabia que a Daphne estava lá dentro. Parei por um instante, à espera de ouvir alguma coisa vinda do interior, mas não se ouviu nada. Sem qualquer som.

A Agatha estava no seu quarto a ler a Pipi das meias-altas. — Costumava adorar esse livro — comentei sentando-me ao seu lado. — Mas o filme era demasiado triste. Não conseguia parar de chorar no final.

— Há um filme?

— Sim. Devíamos vê-lo. — Não sabia bem como é que ia tratar disso, dado o buraco negro da Internet no qual eu tinha tropeçado, mas possivelmente conseguia encontrá-lo em DVD na vila. Parecia o tipo de local que ainda devia ter uma loja onde se podiam alugar DVD.

— Disseste que era demasiado triste.

— Bom, vemos outra coisa qualquer. De que outros filmes gostas?

— Da Annie. Ana dos cabelos ruivos.

Seria uma coincidência que todas essas histórias tivessem mães mortas ou ausentes? Achava que não. Tinha-me sentido atraída precisamente pelas mesmas histórias na idade dela. A diferença era que a minha mãe estava morta. A da Agatha estava só, bem… ausente. Não era minha intenção revelar nada sobre mim tão prematuramente, mas tinha pena da Agatha e quis que soubesse que eu sabia o que ela estava a sentir. — Perdi a minha mãe com a tua idade — contei, e depois, a achar que talvez não tivesse sido suficientemente clara, acrescentei: — Morreu. Esteve doente durante muito tempo e depois morreu quanto eu tinha mais ou menos a tua idade.

Assim que as palavras me saíram da boca, arrependi-me da sua insensibilidade. A pobre criança tinha a mãe a recuperar de um acidente grave e eu estava a falar sobre a morte da minha mãe.

A Agatha levantou o olhar do livro, interessada, mas um pouco chocada pela minha franqueza. Estava desconfiada. Na altura, não sabia que ela desconfiava de toda a gente, de que tinha boas razões para isso. Contei-lhe que o meu pai voltou a casar e que a nossa casa se tornou feliz de novo, que as minhas irmãs me trouxeram muita felicidade. Que eu mal me conseguia lembrar da minha mãe, mas que me recordava de a amar.

— Anda, vamos andando — disse eu pegando-lhe ao colo. Era leve como uma pena e pensei se comeria alguma coisa de todo. Depois de a minha mãe ter morrido, parei de comer quase por completo. O meu apetite desapareceu. Só conseguia aguentar palitos de cenoura e de aipo com manteiga de amendoim. Foi o começo da minha viagem para a nutrição e comida saudável. O pior de tudo era a comida que a minha mãe costumava fazer: frango assado, esparguete à bolonhesa, rabanadas. Ainda hoje não consigo comer nenhuma delas sem pensar nela. Se a Agatha estivesse acostumada à comida da Daphne, não me surpreenderia se parasse de comer quando tivesse de baixar os seus padrões culinários.

— O que é que queres ao pequeno-almoço? — perguntei a assumir que o pequeno-almoço fazia parte das minhas tarefas. — Panquecas? Chocolate quente?

— Torrada. Com Marmite. Sem manteiga — respondeu a Agatha.

Na confusão da minha chegada na noite anterior, não prestei muita atenção, mas a Agatha também tinha comido torrada então. Com Marmite. Sem manteiga. Parecia que até as chefes distinguidas com estrelas Michelin conseguiam produzir miúdos esquisitos com a comida. — E depois o que é que vamos fazer? — perguntei. Não fazia ideia de como era a logística da cadeira de rodas naquela manhã; da dificuldade que era movimentá-la, não só na Casa Barnsley, mas também na vila. Tive visões das peripécias d’ Os cinco: nós os quatro a subir com esforço contra o frio seguindo o caminho da encosta até à vila para ir explorar. Uma garrafa térmica. Algumas sanduíches e um pão-de-ló. Eu não só queria desesperadamente criar uma ligação com as crianças, como estava completamente desorientada e desejosa de me familiarizar com as redondezas.

— Temos de ir para a escola — respondeu a Agatha, com grande surpresa. — O autocarro chega às oito. — Houve um elemento de deleite pela minha ignorância.

Ninguém me tinha dito. Na Austrália, as minhas meias-irmãs já estavam de férias de verão. Por nenhuma razão lógica em especial, presumi que o período escolar inglês tivesse um calendário semelhante. — Ainda têm escola? Estamos quase no Natal — perguntei.

— Acaba esta semana. Temos o concerto.

Não havia tempo de falar sobre o concerto naquele momento. O relógio de brilhantes ao lado da cama da Agatha mostrava que já estávamos perto da chegada do autocarro de uma forma alarmante. Corremos apressadas para vestir a Agatha. Vi-me a ficar cada vez mais frustrada.

Não estava habituada a ter de me preocupar com outras pessoas. O meu instinto era descarregar na Agatha, dizer-lhe para se despachar. Enquanto lhe penteava o cabelo louro num rabo-de-cavalo rebelde, ela contorcia-se, com as minhas mãos a puxarem as pontas com a falta de experiência, fazendo-a protestar e contorcer-se ainda mais. Estava habituada a que as pessoas se rendessem a mim e não ao oposto.

Só podia ser uma questão de tempo até eu ser acusada de fraude, um pressentimento terrível com o qual já estava demasiado familiarizada. Estavam lá todos os sinais. Mentiras. Absoluta falta de experiência. Colocar as vidas de outras pessoas em perigo. Segundas intenções. Amaldiçoei-me, e à Sophia, por acabar por estar outra vez nesta posição.

Quando nos estávamos finalmente a dirigir para a porta, o Robbie desapareceu lá para cima.

Enfiei a cabeça na escadaria. — Robbie?… Robbie!

A Agatha rolou a cadeira até ao meu lado. — Ele foi lá acima dizer adeus à mãe.

— Ah. — Olhei para ela. Olhei para as escadas. Queres que também te leve lá acima para dizeres adeus?

— Não é preciso. Ela vai estar a dormir, de qualquer modo — respondeu a Agatha, e voltou a rolar a cadeira até à porta, no preciso momento em que a Sophia vinha a descer as escadas, completamente vestida. Sorri-lhe, tentando forjar uma aliança. Tentei mostrar-lhe que eu era alguém em quem podia confiar. Ofereci-me para lhe preparar o almoço e ela escarneceu e disse algo que não consegui compreender.

O Robbie, que tinha acabado de reaparecer do andar de cima, teve de servir-me de intérprete. — Ela disse que almoçamos na escola, menina — clarificou.

— Não tens de me chamar de menina — respondi, mas já eles estavam a correr para a porta.

— Sophia? — chamei quando passava a correr por mim. Era a primeira vez que estava próxima da Sophia sem o Max ou a senhora Mins por perto. Queria dar-lhe um sinal de que tinha recebido a carta. De que estava do lado dela.

A Sophia não parou, abanou apenas ligeiramente a cabeça, como se estivesse a tentar expulsar água do ouvido.

— Recebi a carta.

Ela olhou para mim sem expressão. — Vamos chegar tarde ao autocarro. — Ela tinha razão. Quase o perdemos.

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