Читать книгу Estudios sobre la prolongación de la vida activa de los trabajadores - Fernando Elorza Guerrero - Страница 21
III. Conceitos que fazem falta ao mundo do trabalho
ОглавлениеNa sequência do enquadramento realizado na secção anterior (que em grande medida serviu de molde ao modelo relações laborais português das últimas décadas e que é revelador das dificuldades com que se confrontam os atores do mercado de trabalho), importa ainda dar conta de um outro conjunto de referências de bem-estar que, em nosso entender, deviam constituir um referencial para uma perceção mais inclusiva do prolongamento da vida ativa dos trabalhadores. Referimo-nos a alguns conceitos-chave que podem ser entendidos de forma ampla: Estado Social, segurança/estabilidade, solidariedade e digitalização (inovação). Também estas são realidades que certamente obrigam a repensar as prioridades que as agendas políticas governamentais conferem às dimensões produtiva e reprodutiva do trabalho.
i) Estado Social. O que aqui está em causa, mais do que um conceito, é uma ideia, é uma conquista, é um projeto que, por sinal, abriga sob a sua capa uma variedade de direitos sociais e económicos e uma variedade de conceitos – que é o de Estado Social. A construção de um “direito do trabalho” remonta a todo o processo de transformação social ditado pela Revolução Industrial, em resultado da massificação da produção, da migração da população rural para os centros urbanos industrializados e, consequentemente, da busca de trabalho num contexto de ausência de poder de negociação/reivindicação face ao patrão. Foi longo o percurso até ao seu reconhecimento e afirmação. Nessa linha, as leis do trabalho foram, sem surpresas, direcionadas aos mais desprotegidos. Visaram, por exemplo, “regular o trabalho de crianças e mulheres, datando de 1819”, em Inglaterra, “com leis progressivamente complementadas até 1878” e de “1891, em Portugal, seguindo-se um período de certa uniformização dos regimes laborais nos vários países europeus”32.
Sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial consagrou-se a “idade de ouro” das conquistas laborais, assente na edificação de normas de cidadania laboral no local de trabalho e no desenvolvimento de políticas macroeconómicas favoráveis ao pleno emprego33. Uma certa generalização de leis com direitos mínimos –garantidos, essencialmente, pela presença do Estado no estabelecimento das condições e relações no trabalho–, e a afirmação da negociação coletiva foram cruciais. Como o foram a Declaração de Filadélfia (1944) que havia de influenciar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Por outro lado, a existência de dois sistemas políticos em confronto –grande parte da Europa vivia em “regimes socialistas”, sendo fortíssimas as tensões e os desafios com vista à afirmação da superioridade de um sobre o outro– favoreceram muito o avanço dos direitos laborais, sindicais e sociais no Ocidente. O Estado-Providência e o objetivo do pleno emprego configuraram-se como dois mecanismos redistributivos cujas metas garantiram amplos consensos. Foi nesse contexto que o neocorporativismo se afirmou como disposição institucional de relações consensuais entre o governo e os interesses organizados34 e o fordismo se confirmou como modelo de relação salarial dominante. Em todo este trajeto socio-histórico de afirmação de direitos (tanto individuais quanto coletivos), o sindicalismo teve um papel fundamental.
Se olharmos para o Portugal dos últimos 50 anos encontramos sinais positivos neste domínio, nomeadamente em áreas como a da educação, da saúde ou da proteção social35. Por exemplo, entre 1972 e 2008 a despesa do Estado com a educação mais do que triplicou, passando de 1,4% para 4,4% do PIB. Isso foi acompanhado de uma maior presença das mulheres no sector da educação, por uma expansão do ensino superior e por progressos na formação avançada e nas atividades de investigação e desenvolvimento, etc. Na saúde, o investimento, ainda que mais tardio do que educação, também foi galopante, tendo mesmo ultrapassado as despesas com a educação. As despesas públicas com a Saúde representavam em 1972 cerca de 0,2% do PIB e, em 2008, já atingiam 5,6% do PIB. Além disso, não só se intensificou o número de todos os atos médicos, como mais do que duplicaram os encargos do Serviço Nacional de Saúde com os medicamentos, passou gastar-se mais por habitante, reduziram-se de forma extraordinária os riscos para a vida das pessoas, aumentou significativamente o número de médicos e enfermeiros, etc. No domínio da proteção social, não só se confirmou uma universalização dos direitos sociais36, como se traduziu num aumento muito intenso dos números relativos à segurança social, quer em termos de beneficiários e de despesas, quer ainda em termos de receitas37, sendo particularmente saliente que uma maior percentagem das despesas da segurança social vai para as pensões38. Registe-se ainda aumento do peso das prestações do desemprego no orçamento da segurança social39, bem como os apoios prestados aos que não dispõem de quaisquer recursos (por via do Rendimento Mínimo Garantido e Rendimento Social de Inserção)40.
ii) Segurança/estabilidade (de emprego/profissional/de vida). Este conceito está longe de ter sido inventado hoje, mas que certamente hoje preocupa mais as pessoas do que nunca e que, ouso afirmá-lo, está prestes a ser apagada do “código genético” das relações laborais (se é que o não foi já). Segundo alguns estudos realizados junto de estudantes do ensino superior em Portugal, a preocupação com a segurança/estabilidade constitui a primeira preocupação que alimenta as suas expectativas de ingresso na vida profissional ativa após a conclusão de um curso superior41. Mas a segurança, nomeadamente a segurança laboral, assume afinal uma diversidade de formas que se encontram ameaçadas: segurança no mercado de trabalho (traduzida numa prestação salarial/rendimento adequado a uma participação permanente no mercado de trabalho), segurança de emprego (proteção contra despedimentos arbitrários), segurança no trabalho (adoção de medidas que salvaguardem a saúde e doença, como o limite aos tempos de trabalho), segurança de reprodução/aquisição de competências (oportunidade de reforçar conhecimentos, receber formação), segurança de representação (ter voz no mercado de trabalho, pertencendo a um sindicato ou fazendo greve), etc.42.
iii) Solidariedade. Igualmente “velho”, este conceito43 parece apoiar-se num conjunto de princípios complementares entre si e provavelmente mais difícil de realizar do que outrora: identidade (criação de interesses), substituição (agir no lugar dos que não podem fazê-lo por si mesmos), complementaridade (troca de qualidades distintamente desejadas), reciprocidade (troca, ao longo tempo, de bens ou qualidades idênticos), afinidade inter e intrageracional (partilha de sentimentos, valores, ideias, identidades, isto é, ser solidário não apenas entre diferentes gerações como dentro da mesma geração), restituição (reconhecimento de responsabilidades pelos erros do passado), multiplicidade (capacidade para ser solidário em diferentes tempos, momentos e formas, tantas são as modalidades precárias de trabalho com que as pessoas se confrontam), Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, “a solidariedade é uma componente essencial da cidadania e da democracia. Ser cidadão é hoje acima de tudo ser solidário para com os outros cidadãos e ter por igual o direito à solidariedade deles”44.
iv) Digitalização e inovação. O que está aqui em causa é a perceçãp do impacto das novas tecnologías em resultado das transformações em curso. Observa-se uma divisão crescente entre, por um lado, a maioria dos vulneráveis: os novos segmentos da força de trabalho “sobrequalificada”, usada por exemplo na restauração, hotéis e turismo, construção civil, call centers, motoristas que trabalham em empresas como a Uber e outras plataformas digitais, trabalhadores a tempo parcial, tarefeiros, trabalho de freelancer, trabalho à distância, etc. Por outro lado, a minoria de especialistas com melhores oportunidades: os especialistas em computação e programação, engenheiros de computação e técnicos de software de grandes empresas, executivos seniores do sistema financeiro, engenheiros de banco de dados, especialistas em inteligência artificial e robótica, etc. Neste campo verifica-se não só um crescente desajuste entre as exigências das empresas e as condições de trabalho, uma desadaptação da legislação laboral no que respeita, por exemplo, a questões de segurança e de conciliação entre a atividade laboral e a vida familiar, como impacto direto na coesão da sociedade e na renovação da força de trabalho. Por fim, em matéria de qualificações verifica-se um preocupante paradoxo no curso de vida das gerações mais jovens, que se veem forçadas a uma entrada cada vez mais tardia no mercado de trabalho ao mesmo tempo que o tecido empresarial e o próprio sistema social recusam a estas gerações o acesso a condições dignas de aposentação. Daqui resulta um desperdício de recursos na passagem das gerações. A questão do “longlife learning” (aprendizagem ao longo da vida), torna-se um problema em vez de ser uma vantagem comparativa. Ou seja, as “skills” da geração mais idosa da força de trabalho (tacit skills, soft skills, technical skills, etc.) e a sua experiência prática dificilmente respondem às novas necessidades do mercado de trabalho e até da competitividade das empresas em muitos setores. Seria, pois, necessário reaproximar as diferentes competências adquiridas por esses distintos segmentos de trabalhadores e potenciá-las em benefício da economia e do bem-estar.